segunda-feira, maio 30

Óbvio.

Só dois tipos de pessoas obedecem regras: os bobos e os honestos. Por isso, uns são sempre confundidos com os outros.

Que tal?

Que tal fazermos o ano da França no Brasil?

(Se fosse o ano do Brasil nos EUA, seria imperialismo?)

quarta-feira, maio 25

A Dream-Come-Truer.

Certas coisas, Pavlov explica, ficam definitivamente ligadas a determinadas circunstâncias.

Quando era moleque, muitas vezes acordava cedo, sozinho, nos fins-de-semana. E, na falta de companhia qualquer, metia-me a assistir o Daniel Boone. A abertura era sensacional: o Boone arremessava uma machadinha numa árvore (naquele tempo, podia-se), que se rachava ao meio, revelando o nome da série, escrita em “madeira”.

Muitas vezes fazia pipocas, com o requinte de, depois, despejar manteiga derretida por cima. E as engolia, ouvindo a trilha de abertura, inesquecível:

Daniel Boone was a man,
Yes, a big man!
With an eye like an eagle
And as tall as a mountain was he!

Daniel Boone was a man,
Yes, a big man!
He was brave, he was fearless
And as tough as a mighty oak tree!

From the coonskin cap on the top of ol' Dan
To the heel of his rawhide shoe;
The rippin'est, roarin'est, fightin'est man
The frontier ever knew!

Daniel Boone was a man,
Yes, a big man!
And he fought for America
To make all Americans free!
What a Boone! What a doer!
What a dream come-er-true-er was he!
Daniel Boone was a man!
Yes, a big man!
With a whoop and a holler
he c'd mow down a forest of trees!

Daniel Boone was a man!
Yes, a big man!
If he frowned at a river
In July all the water would freeze!
But a peaceable, pioneer fella was Dan
When he smiled all the ice would thaw!
The singin'est, laughin'est, happiest man
The frontier ever saw!

Daniel Boone was a man!
Yes, a big man!
With a dream of a country that'd
Always forever be free!
What a Boone! What a do-er!
What a dream-come-er-true-er was he!

Me deu saudades e achei estas fotos do Daniel Boone, da Rebeca e do Israel. Falta o Mingo – quando ele aparecia, o episódio era dos melhores. Foi o melhor índio de todos os tempos.

Ah, meu Deus, que vontade de comer pipoca!

terça-feira, maio 24

A abertura. Cantem comigo: "Daniel Boone was a man, yes a biiii-i-ig man..."
Ah, achei o Mingo (Ed Ames).
Fess Parker (o de baixo, no centro).
Israel, que dormia com um camisolão branco, num beliche de madeira.

Ah, eles estão, decerto, salvando o índio. Eles só matavam índios muito mauzinhos.
Ah, a Rebeca...

Neo-Ubaldo.

Isto é de João Ubaldo Ribeiro: "O brasileiro é como eu ou você. Já não digo como o presidente, pois este nem pecado tem, mas como eu, você ou o vizinho. O povo é bom e honesto. Como demonstrou um programa para auxiliar famílias pobres do interior. Os pobres não receberam a ajuda, que ficou com as famílias remediadas ou ricas mesmo. E, quando alguém que não precisa recusa essa ajuda, a gente dá uma festa e bota no jornal, apesar de ser acontecimento tão trivial. Não somos nós que fazemos gatos para furtar energia elétrica ou água, ricos ou pobres. Não mentimos nem mesmo quando respondemos àquelas enquetes "que você está lendo?", onde se nota que entre nós pouca gente lê, todo mundo relê: "Estou relendo Proust." "Estou relendo Dante." Assim como nenhum de nós jamais deu a cervejinha do guarda, nem o guarda jamais achacou ninguém. Aqui não existe o PF, o famoso "por fora", para ajudar uma tramitação. Nunca furamos fila ou adotamos o pistolão, Deus nos guarde e, quando eu era examinador nos vestibulares antigos, havia diversos candidatos que não traziam um cartão de recomendação. Até hoje, quando tomo parte no júri de um concurso, só recebo pedidos de favorecimento em menos de 90% dos casos, porcentual ridículo. Que dia lindo, não? Mó num pá tropi, abençoá por Dê."

Somos, afinal, perfeitos idiotas latino-americanos que, ao invés de colocar as mãos onde está a boca, preferimos culpar desde a colonização portuguesa e até o imperialismo yankee pelas nossas falcatruas diárias.
Ou isso, ou o Ubaldo virou wunderblogger.

sexta-feira, maio 20

Pai também lê.

Li muitas respostas a essa corrente que rodou por aí, perguntando que livro você seria, que livro você levaria para uma ilha deserta etc.. As do Ruy Goiaba causam inveja - para chegar lá, levarei uns dez anos. As do Lord ASS, mais ao meu alcance, tinham alguns já lidos, busquei outros (Wodehouse, meu Deus, como perde quem não o lê! E eu, com licenciatura plena, não tinha lido. Aliás, não me lembro de nenhuma professora de Literatura Inglesa ter passado do Beowulf, do Chaucer e do Shakespeare).

Mas essas listas causaram inveja: para ler o que recomendam, precisa-se de tempo e de concentração. De ambiente.

Tenho dois filhos, de quatro e de dois anos. Não tenho ambiente (e nem quero ter, viu filha, viu filho? papai tá só brincando). E também não tenho tempo: quando não estou suando para pagar as contas da nossa portentosa penthouse, estou com os dois, morrendo de rir. Ou de sono.

Para quem sofre do mesmo mal, descobri a solução perfeita: ler para os pimpolhos, sobretudo antes de dormir. Você não embota (regride alguns anos, é verdade, mas isso até que é bom), eles tomam gosto pela coisa, e a sua biblioteca, de repente, tem outra função: você a monta para que eles a leiam, quando crescerem. Pega um, sei lá, Ivanhoé, e vê seu menino lendo mesmerizado, daqui uns dez anos. Ah, vai ser bom.

Para quem sofre do mesmo mal, dou aqui minhas dicas, testadas com uma menina de quatro anos (well, ela é melhor, muito melhor que a média, but, what the hell, é minha filha...). Vou pular os livrinhos ilustrados que ela leu até os três anos (ué, não tem gente que diz que Caras?) – e que hoje já servem de inspiração na hora do trono do menorzinho (ah, os segundos, sempre herdando roupas largas, brinquedos quebrados e livros velhinhos...). Estes, são livros. Livros, mesmo:

Soprinho, de Fernanda Lopes de Almeida. História das antigas (acho que foi o primeiro livro que eu li, de verdade, lá pelos cinco anos), sem a intenção de promover a sua subliminar educação social. Lê-se com tremenda facilidade e os desenhos, bacanas, ajudam muito a fazer a transição das fábulas e das historinhas curtinhas, para livros de verdade.

Reinações de Narizinho, não precisa dizer de quem. Cuidado: a edição atual (só ela está disponível) é horrorosamente descuidada. Vale só pelo texto, até o papel é ruim (ah, tivéssemos uma Library of America…) . E o vocabulário carece de uma certa atualização (afinal, quem está acostumado com as babaquices anasaladas do Bob Sponja, tem dificuldades com o Lobato). Mas vai bem, em doses pequenas. Destaque, claro, para as aparições da Emília.

Sofia, a Desastrada, da Condessa de Ségur. Ótimo. Os capítulos, curtos, são completos e interligados. Uma novelinha tragicômica (aliás, eu sempre achei que a idade mental de quem assiste novelinhas na tevê não passa dos seis anos). Há um pouquinho de crueldade (cortar peixinhos dourados no meio, com uma faquinha; espetar a barriga de um burrico com prego, para ele correr…). Mas as traquinagens têm sempre conseqüências ruinzinhas, ou castigos piores do que os que costumamos dar (ainda posamos de bonzinhos, no final...). A tradução – quase adaptação – é de Herberto Sales, impecável.

Ah, e tem Ou Isto ou Aquilo, da Cecília Meireles. Todas as resenhas usam a palavra lúdico (credincruz, pé-de-pato, mangalô, três vezes), mas é o livro ideal para se tomar gosto por rimas, aliterações, poesia. A das duas velhinhas, Marina e Mariana é uma delícia. E fica ainda mais legalzinha com o vovô Paulo Autran lendo, em CD (que não acompanha o livro, nem vice-versa).

Com esses livros, consegui que minha filha batesse as perninhas no colchão, de pura de emoção, e que enfiasse a cara no travesseiro, não agüentando de expectativa pelo parágrafo seguinte.
Que mais que se quer, desta vida?

As Duas Velhinhas.

Duas velhinhas muito bonitas,
Mariana e Marina,
estão sentadas na varanda:
Marina e Mariana.

Elas usam batas de fitas,
Mariana e Marina,
e penteados de tranças:
Marina e Mariana.

Tomam chocolate, as velhinhas,
Mariana e Marina,
em xícaras de porcelana:
Marina e Mariana.

Uma diz:
"Como a tarde é linda,não é, Marina?"
A outra diz:
"Como as ondas dançam,não é Mariana?"

"Ontem, eu era pequenina",
diz Marina.
Ontem, nós éramos crianças",
diz Mariana.

E levam à boca as xicrinhas,
Mariana e Marina,
as xicrinhas de porcelana:
Marina e Mariana.

Tomam chocolate, as velhinhas,
Mariana e Marina,
em xícaras de porcelana:
Marina e Mariana.

Cecília Meireles.

quinta-feira, maio 19

Projeto de vida.

Divagar devagar.

quarta-feira, maio 18

Marcha, soldado.

O pior dos efeitos da revolução de 64, e dos anos ridículos que se seguiram, é que ninguém mais sonha em ser soldado: filmes como A Um Passo da Eternidade e Beau Geste, hoje, parecem bobocas e direitistas.

Pensei isso ao ouvir “Heart of the Volunteer”, da trilha do Pearl Harbour, e de me arrepiar (fisicamente, mesmo), com a sua grandeza.
Como empobrecemos, meu Deus, como empobrecemos.

terça-feira, maio 17

Governar por decreto.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

Art. 1º. A Constituição Federal, as leis complementares, as leis ordinárias, as medidas provisórias, os decretos legislativos, as resoluções, as portarias, as instruções normativas e todos os demais textos legais hoje em vigor, passarão a ser cumpridos pelo Poder Público e pelos cidadãos, a partir de 1º de janeiro de 2006.

Art. 2º. Ficam revogados todas as disposições e costumes em contrário.

Art. 3o . Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 17 de maio de 2005; 184º da Independência e 117º da República.

quinta-feira, maio 12

Ó nóis na fita, mano.

O sotaque paulista, com o advento do (in)Faustão, ficou limitado ao question tag “meu”, à ausência de concordância nominal (como em “as mina” e “os mano”) e a expressões nada significativas como “ô loco”.

Ninguém mais diz que falamos "cantado", que somos macarrônicos. Querem nos imitar? Dizem “ô loco, meu” e pronto – viraram todos cidadão moquenses.

Não é assim, rapaziada. Ser paulista traz consigo uma herança cultural. Comecem por
Juó Bananère:

Uvi Strella
Che scuitá strella ni meia strella!
Vucê stá maluco! E io ti diró intanto,
Chi p'ra scuita-las moltas veiz livanto,
I vô dá una spiada na janela.

I passo as noite acunversáno c'oella,
Inquanto chi as otra lá d'un ganto
Stó mi spiano. I o sol come un briglianto
Naçe. Oglio p'ro çeu -Cadê strella?
Direis intó: - Ó migno inlustro amigo!
O chi é chi as strella ti dizia
Quano illas viéro acunversá contigo?
E io ti diró: -Studi p'ra intende-la,
Pois só chi giá studó Astrolomia,
É capaiz di intendê istas strella.

Leiam três vezes, em voz alta, sem engasgar.
Depois, podem começar a pensar em invadir as praias do Guarujá e de Ubatuba, em mangiá a melhor pizza do mundo e em fazer elegantes footings nos shoppings e museus da boa Urbe.
PS.: Juó foi plagiado, por este cara.

Dopo domani.

Passou-me pela cabeça escrever sobre a linguagem como o castigo divino pelo pecado original.
Eu decerto li isso em algum canto, mas absorvi tão bem que agora acho que a idéia é minha. De fato, eu sempre acreditei que o pecado original é o egoísmo e que o castigo, por ele, é a nossa eterna ignorância sobre as coisas divinas, que nunca vamos compreender porque estamos presos à linguagem, à metáfora. Nunca conseguimos entender (nem explicar) nada sem dar um exemplo. E, como as coisas divinas não têm comparação possível, ficamos assim, dando com a cara no muro. Por exemplo.

Aí achei que ia ser muito chato desenvolver essa idéia agora, que nem minha deve ser. E, além disso, estou lendo o último livro do João Paulo II e estou mudando de idéia em relação a tudo isso. Preferi, assim, colocar um trechinho do Álvaro de Campos, sempre o melhor P’ssoa:

“Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã.
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.”

Então, toda aquela história fica prá depois de amanhã, quando serei, finalmente, o que hoje não posso nunca ser
.

quarta-feira, maio 11

Barbearia marroquina.

segunda-feira, maio 9

Uma boa notícia, ao menos.

Nossas crianças ficaram em quadragésimo-primeiro lugar no PISA (Programme for International Student Assessment), que testou crianças de quarenta e um países. Em compensação, metemos 9x2 na Tailândia, no futebol de areia. U-hu.


Estudante brasileiro reclama: "Se soubesse que ia ter que contar até mais que dez, tinha vindo descalço, caramba."

sexta-feira, maio 6

Como morrer de inveja em duas lições.

Uma, duas.

quinta-feira, maio 5

Quarto Parágrafo.

Estava na terceira gravidez, que lhe pesava mais dos que as outras duas juntas. Sua barriga tinha estrias que, passando de cor-de-rosa, eram já brancas, revelando a camada de gordura sob a pele. Caminhava rápido, e sentia que não havia mais tempo para a cesária, Deus, não havia mais tempo nem para o parto: sua barriga rasgou-se e a criança sorriu para ela enquanto ela perdia a consciência e litros e litros de sangue. Só teve tempo para reparar que, gozado: seu filho (era um menino, desta vez) já tinha dentes…

Acordou sentindo a mão de Caio no seu ombro e seu hálito matinal perto do rosto. “Calma, amor… Calma. É só um sonho, eu estou aqui.”

A presença dele, pelo menos desta vez, de fato, tranqüilizou-a. Senti-lo ali, sólido, meio gordo, mal barbeado e completamente despenteado, arrancou-a da teia do sonho. Ficou só a sensação da noite ruim, de alguma angústia física, na boca do estômago. E a camisola umedecida de suor, dava a certeza de alguma coisa má, por acontecer.

“Pára, Caio! Que mania!” Levantou-se de um pulo, já emburrada. “Que coisa!” esbravejou sem sorrir. “Que mania de tentar transar de manhã! Não quero, não gosto!”

A mão boba dele ficara no meio do caminho e ele, também já irritado, esquivou-se dela com um resmungo e enfiou-se no banheiro, escondendo a ereção.

O Caio demoraria horas no banheiro. Era, segundo ele dizia, o único lugar onde tinha algum sossego. Levava para lá o jornal do dia e de lá só saía quase uma hora depois, de banho tomado e com mais perfume do que recomenda o bom-gosto.

“Que saco” pensou, quando se viu sozinha no quarto, voltando à cama (gostava de voltar à cama desarrumada e, enquanto fazia hora nos lençóis ainda quentinhos, a Laura vestiria as duas meninas, as levaria para fazerem xixi e, depois, para a mesa do café da manhã).

Depois da segunda filha, Caio relaxou completamente. Engordou e envelheceu. Estava ficando careca. Já não provocava nela nenhuma vontade, senão a de estar longe dele. Ninguém mais a atiçava, essa era a verdade. Mesmo ali, na cama quentinha, não tinha vontade de nada – só de dormir, dormir, dormir… Mas, vendo na luzinha verde do aparelho de som do quarto que já passava das nove, decidiu levantar e vestir-se.

Quando abotoava o jeans, olhou para sua barriga lisa, para o seu umbigo e para a cicatriz do último parto. A gravidez sonhada voltou de uma vez, sólida. Não conseguiu deter o jato de vômito e, enquanto via sua bílis respingando nas gavetas de calçados, pensou: “Meu Deus, ele tinha dentes!”

Tudo igual é caminhão de japonês.

Por falar em preconceitos no Bananão, tem um que é racial, é o pior que eu conheço, e ninguém fala nada. É o preconceito com os japonês (assim mesmo, no singular, como se fala em São Paulo, terra da maior colônia nipônica do mundo, que está aqui há um século).

Saio para almoçar nas redondezas do escritório com uma das sócias do escritório, nissei, nascida no Paraná. Não há dia em que pelo menos um imbecil qualquer não faça uma gracinha sem-graça. E – curioso - em regra são nordestinos os “brincalhões”. Tanto que ela não viaja para o Nordeste, nem de graça.

Fora isso, deve doer muito ser japonês e ser confundido com chinês e coreano. E vice-versa, porque tem briga nos três lados. E mais ainda, devem encher o saco as piadinhas genitais, masculinas e femininas.
Desse preconceito, ninguém fala. E nem ninguém cogita de quota racial nas universidades...

Mea culpa.

De fato, está passando a hora. Vamos levantar os traseiros e procurar um paisinho melhor.

quarta-feira, maio 4

Pais e filhos.

Demorei para perceber - e talvez até esteja errado. Mas hoje estou seguro de que é mais fácil que o amor suceda o respeito, do que o contrário. E estou ainda mais seguro que um não vive sem o outro.

João Mellão.

Procurei muito pela internet este texto, publicado n' "O Estado" de domingo. Como foi difícil achar, posto-o aqui.
"Platão, que viveu em Atenas, no século 4.º antes de Cristo, não era fã da democracia. Em sua mais famosa obra, A República, ele defendia um Estado que fosse gerido pelo que chamou de “guardiães”. Estes seriam cidadãos em tudo especiais. Apartados de sua família desde a infância, eles seriam educados na mais rígida disciplina e cultura. Receberiam uma vasta formação em filosofia, viveriam entre si em comunidades fechadas, não poderiam casar-se, ter filhos ou possuir propriedades. Quando adultos e devidamente provados, eles governariam a polis com muita sabedoria e isenção. A república nunca foi testada, na prática, em nenhuma sociedade da época. O próprio Platão chegou a admitir que seu modelo, apesar de ideal, dificilmente poderia ser implementado.

Nos primórdios da religião cristã, havia muitos platonistas, em especial Santo Agostinho. Quando se estruturou a Igreja Católica, mesmo sem fazê-lo intencionalmente, eles formularam a sua estrutura de forma muito semelhante ao ideal platônico. Seus sacerdotes são formados e vivem exatamente como os guardiães da República. Entre inúmeras outras, esta foi uma das razões da coesão da Igreja, no decorrer de quase dois milênios.

Eu, pessoalmente, creio em Deus e me entendo como um agnóstico. Muita gente confunde agnóstico com ateu. É muito diferente. Tanto o ateísmo como o religiosismo fervoroso, a meu ver,são posturas por demais presunçosas. O ateu é um pretensioso porque julga possuir conhecimentos suficientes sobre o Céu e a Terra para declarar, peremptoriamente, que Deus não existe. O religioso fanático, por sua vez, é um presunçoso por acreditar ser um escolhido, ser particularmente protegido por Deus e ter uma relação especial com o Todo-Poderoso, enquanto Este, por definição, não faz diferença entre seus filhos e os ama a todos indistintamente.

O agnóstico, de todos, é o mais humilde. Agnóstico que dizer “sem conhecimento”. O agnóstico entende que, no universo, há inúmeros fenômenos além da sua compreensão. Somos simples humanos, todas as nossas percepções do mundo provêm dos nossos cinco sentidos e do nosso raciocínio para interpretá-las. Ora, nossos sentidos são extremamente limitados. O que chamamos de raciocínio não passa de um software sofrível, rodado num hardware – nossa mente – mais sofrível ainda. Como podemos pretender, assim, conhecer o todo universal? Não compreendemos mais que uma ínfima parte. Shakespeare, o mais profundo conhecedor da alma humana que já existiu, afirmou que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que imagina a nossa vã filosofia”. Ele estava certo. Eu, de minha parte, me confesso, humildemente, um agnóstico. Os desígnios de Deus fogem à minha modesta percepção.

Na falta de um poder de compreensão maior, o instrumento de que me valho é o famoso e infalível “teste do tempo”. É o seguinte:o passar do tempo é avassalador. Ele desacredita crenças, costumes, modismos e convicções. Na falta de discernimento para saber o que é certo e o que é errado, o que é falso ou verdadeiro, nada melhor do que aplicar o teste do tempo. Certo e verdadeiro é aquilo que consegue resistir ao passar dos anos, séculos ou milênios. A instituição família é certa e verdadeira, pois que existe, intacta, desde o início das civilizações. A crença num ente superior também o é, visto que permeou todas as sociedades, desde o início dos tempos.

Cristo é válido? É. Por mais que existam controvérsias a respeito de sua vida e seus ensinamentos,o fato é que algo de muito extraordinário ocorreu na antiga Galiléia, para mudar o curso da História universal. Embora o cristianismo, como doutrina, esteja impregnado de valores tomados de empréstimo das anteriores religiões orientais (em especial do zoroastrismo persa), suas verdades são suficientemente fortes para ter resistido e se multiplicado no transcorrer de dois milênios. Quantos messias e autoproclamados “enviados de Deus” não apareceram antes e depois de Cristo?Milhares. Mas só Cristo e sua divina mensagem permanecem até os dias de hoje.

A Igreja Católica é certa e verdadeira? Ora, ela existe e mantém a sua imensa força moral e espiritual desde os primórdios do cristianismo. Vez por outra, ela comete erros, defende conceitos equivocados e prega verdades que foram ultrapassadas pela ciência. Mas nenhuma de suas inúmeras falhas foi suficiente para desacreditá-la ou provocar o seu declínio e desaparecimento ao longo de dois milhares de anos. Quantas e quantas religiões e seitas nasceram e morreram nesse longo período? Milhares. Nenhuma resistiu ao implacável teste do tempo. A Santa Madre Igreja, ao contrário, permanece forte e acreditada na alma de 1,1 bilhão de seres humanos. Mesmo que muitas vezes discordemos de seus preceitos ou duvidemos de alguns de seus dogmas, havemos de respeitá-la profundamente. A Igreja é uma estrutura erigida e sustentada pelo empenho de milhares e milhares de homens e mulheres que, por sua fé e virtuosidade superior, construíram o seu imenso patrimônio moral. Se são real mente “santos” ou não, tanto faz. Foram seres iluminados, que deram sua vida para conquistar, para a Igreja, o imenso prestígio que ela preserva até hoje.

A eleição do cardeal Ratzinger, um ferrenho conservador, como papa, para mim, representou uma reafirmação inconteste, pelos príncipes da Igreja,dos valores milenares da instituição e uma resposta aos modismos atuais que procuram transfigurá-la. Certa ou errada, a Igreja só é o que é porque sempre foi coerente e intransigente nos princípios que prega. Como alguém já disse, “os reis morrem, os impérios desaparecem, os palácios ruem, tudo se vai, somente a oração permanece”.

João Mellão Neto, jornalista, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado. E-mail: j.mellao@uol.com.br. Site.

terça-feira, maio 3

A frase do ano. Ou do século.

segunda-feira, maio 2

Quadrinha.

Veja que bobagem,
diga como é que pode.
Na procura por novidade,
entrei eu mesmo neste blogue...

Olavo de Carvalho.

Queria lincar, aqui, mas não lembro quem foi (e já procurei, em vão). Creio que foi um dos wunderblogueiros. Disseram que o Olavo de Carvalho não é mais o mesmo, que a qualidade de seus artigos vem caindo.

De fato - não só diminuiu a produção, como aparecem coisas apressadas, como esta:
“A proliferação de revistas de “divulgação científica” seria um benefício incalculável para o povo, se elas não fossem escritas, em geral, por semi-intelectuais que melhor fariam em guardar para si suas idéias bobocas. Outro dia vi numa dessas publicações uma reportagem que, com o ar triunfante de quem esmaga o obscurantismo religioso sob as patas soberanas da “ciência”, explicava as curas miraculosas como efeitos da ativação de certas áreas cerebrais pela prece fervorosa, sem necessidade de mediação externa, divina, entre o pedido e a realização. Isso quer dizer que, se você pedisse o milagre a Baal, a Belzebu, ao Rei Momo, a São Lulinha ou até a São-Você-Mesmo, obteria idêntico resultado, contanto que chacoalhasse as áreas certas da sua massa cinzenta. Só que, alçado o cérebro às alturas dessa onipotência, os efeitos da mera auto-sugestão seriam indiscerníveis das curas pela fé religiosa e as igualariam ou superariam em número. E, se tamanha fosse a eficácia da auto-sugestão, ela simplesmente eliminaria a possibilidade de testar medicamentos pelo método duplo-cego com efeito placebo. Num relance, a pesquisa científica em medicina estaria abolida, e então não faria o menor sentido alegar sua autoridade contra as pretensões da religião ou até da superstição pura e simples. O autor da matéria nem de longe se dava conta dessa conseqüência imediata e incontornável do seu raciocínio. Pensar, definitivamente, não era o seu forte.”

Ora, pois não é que ele, aí, deu tiro no pé? No meu, pelo menos. O teste com placebos, prá mim, existe, justamente, para verificar se o medicamento tem algum efeito físico-químico real, se faz alguma diferença: se você toma o remédio e melhora, e outra pessoa, nas mesmas condições, não toma o remédio, mas acredita que toma, e também melhora, a causa da melhora foi outra, não foi o remédio. Se foi a fé em Deus, ou no remédio, ou no Dr. Fritz, de fato, para esse fim, tanto faz.

O que o Olavo de Carvalho escreve (tenho vontade de colocar um senhor na frente do nome dele, pelo respeito que ele, de fato, merece, mas poderia soar como ironia), ultimamente, carece da humildade agnóstica (não atéia, perceba-se, mas agnóstica). A fé que ele tem, e é invejável, tem feito ele torcer demais. E torcedor nenhum consegue raciocinar com clareza.

Ou isso, ou então não entendi nada.