sexta-feira, abril 28

Bad Behaviour.

Mais um artiguete pro jornal da famiglia. Ando bestamente sem inspiração.

Condicionamento político.

Todos conhecem a teoria do condicionamento clássico, enunciada pelo russo Ivan Pavlov, a partir da experiência com um cachorro: acostumando-se o cão a receber comida logo após o toque de uma campainha, consegue-se, em pouco tempo, que o cão salive, apenas ao ouvir a mesma campainha.

Percebendo que esse comportamento não era exclusivo de animais – ao contrário, era ainda mais pronunciado nos humanos – a teoria foi sendo desenvolvida, até chegar ao behaviorismo, ou teoria comportamental, formulada pelo norte-americano Burrhus Skinner, que, para simplificar, é a análise do comportamento humano do ponto de vista filosófico. Ou, para simplificar ainda mais: é uma tentativa de explicar o que somos, e o que fazemos, a partir de nossos comportamentos.

Todas essas teorias têm muito do evolucionismo: o ser humano aprende essencialmente através da imitação, observação e reprodução dos comportamentos dos outros; é possível apreender uma variedade de comportamentos, do mais simples ao mais complexo, sem que os tenhamos que experimentar. Logo, a fonte dos comportamentos é também o ambiente, e não apenas a mente e a vontade individuais.

Para resumir isso tudo, e ir ao ponto onde eu quero chegar: não somos apenas o que somos – somos, em boa parte, aquilo que os outros esperam que sejamos.

Por isso, se você disser para o seu filho, todo dia, por uns cinco anos, que ele é muito desobediente, você decerto vai acabar tendo um filho desobediente. E se te disseram, desde criancinha, que você não tinha jeito para desenho, você, hoje, dificilmente conseguirá fazer um círculo razoavelmente redondo.

O fato é que essa teoria comportamental funciona muito bem para coisas negativas. Para as coisas positivas, mais raramente, mas ainda assim eu me recordo de ouvir, lá pelos dez anos de idade, a Madre Superiora do colégio onde estudava, dizer para a minha mãe que me achava muito perspicaz. Era um elogio exagerado – tanto que eu nem sabia o que era perspicaz. Mas depois que descobri, me achei, mesmo, muito perspicazinho. E fui me esforçando para ficar mais perspicaz, com o passar do tempo. Acho, até, que a perspicácia é a minha principal – senão única – virtude.

Para os nossos representantes políticos – e era aqui que eu queria chegar – estamos dizendo, há pelo menos quarenta anos que não prestam para nada, que não têm moral, que estão lá apenas para se locupletarem. Que são, enfim, uma corja. Não nos limitamos a elegê-los: damos a eles a linha que devem seguir, nos seus mandatos.

Quantas pessoas você conhece que tenha, alguma vez, procurado um político para conhecer a sua posição sobre determinado assunto – o aborto, a pena de morte, o orçamento, o que for. Quantas? Provavelmente nenhuma.

E quantas conhecemos que vão aos gabinetes com ar sofrido, pedir a intercessão da autoridade para um carguinho para a nora, ou uma ajudinha na matrícula de um filho nesta ou naquela escola, ou para conseguir um contrato, ou para obter um favor qualquer? Centenas, milhares.

Pouca gente acha errado pedir favor a políticos: há quem pense que estão lá para isso, mesmo. Mas as mesmas pessoas acham erradíssimo que eles façam favores para si mesmos...

Somos, enfim, responsáveis pelo comportamento dos nossos representantes, porque agem conforme esperamos que ajam, conforme sempre dissemos que agiam, conforme sempre esperamos que agissem. E hoje, depois de tanto tempo de condicionamento, basta soar a campainha da maquininha de votar, para que saiam todos salivando, como cães famintos.

terça-feira, abril 11

Espada Justiceira, dê-me a visão além do alcance!

Que eu sou do-contra, eu já sabia. Mas não pensei que chegasse a tanto: agora, vejam só, estou tentado a defender a parrimatricida, que acaba de ir em cana, de novo.

Pode até parecer meio absurdo, o que vou dizer, mas é um fato: adevogados de defesa são contratados e pagos, juro, para defenderem seus clientes. Não são pagos para recomendarem a eles que confessem crimes em horários nobres, entende?

Ora, mas os devogados faltaram com a ética! Falaram para ela chorar, veja bem, chorar! E ela olhou onze vezes para cá, treze vezes para lá, estava ativando o lado criativo do cérebro, justamente para mentir, mentir, mentir! E mentir na defesa de uma assassina, de uma assassina assaz confessa!

Pois, é ela já não confessou? Já não admitiu que ajudou a matar o pai e a mãe? Para que ia mentir, nesta altura, para a grobo? Não faz sentido, não faz sentido.

Aliás, e a grobo? Que raios foi fazer lá? E é bonito, agora, ficar ouvindo e gravando e mostrando para 100 milhões de pessoas a conversa dos outros? E o previlégio da comunicação criente-adevogado?

Ah, mas fui mais longe, me informei. Li o despacho que determinou a re-prisão. O juiz falou até “pletora”, caramba! Tinha uma pletora de imagens, uma pletora de entrevistas, uma pletora de fotos, uma pletora de pletoras, todas mostrando a assassina com seu maquiavélicos intentos de não sifu-geral. Ou para resumir: ela andava próxima de uma testemugna, podia influenciar o seu depoimento.

Mas, again, ela não é ré-confessa? Será que alguma tistimunha vai lá dizer que não é nada disso, que viu ela escorregar numa casca de banana e, sem querer-querendo, deixar seu namorado dar oitocentas cacetadas no pápi e na mãmi? Ou será que vai dizer que foi tudo uma pegadinha do Gugu, estão aqui os Von Der Berger, rá-rá-rá! Que entrem os Vão Der Stöllen e beijem sua filhinha, aêêêêêêêêêê!

Que bobagem é essa? E que lição, ó Grande Esopo que nos ascuita, podemos tirar disso tudo?

Só uma: matar pai e mãe é bem ruinzinho. Cê pode ir em cana e ficar lá um tempo, pelo menos até esfriar a história. Mas, ô imbecil, não tente mentir para a grobo, não. Isso não é só crime: é pecado.

segunda-feira, abril 10

Reflexões de fim de milênio. Ou de começo, whatever.

De tanto ver triunfar o Luxemburgo, de tanto ver prosperar a Receita, de tanto ver agigantar-se a importância das pesquisas de opinião, o homem chega a sambar na avenida, a rir-se com malemolência, a ter vergonha de ser Ernesto. Ou não.

segunda-feira, abril 3

Patriarca

Por puro nepotismo - meu irmão é dono do jornal - publico mensalmente uma coluninha num periódico do litoral paulista. Este é o texto que vai ser publicado nos próximos dias (o jornal é periódico, ma non troppo). O tom é diferente deste bloguinho, mas esta semana não vou conseguir escrever mais nada para postar aqui. Por isso, serve de tapa buraco, e para que não pareça que abandonei tudo e fui morar na Nova Zelândia.

Passo, quase todo dia, pela Praça do Patriarca. A estátua dele, que já foi central, está agora tímida, deslocada numa lateral próxima à Líbero Badaró, que divide com estátuas vivas de anjos andróginos. A única potencial vantagem de sua posição de agora é estar de frente para as Lojas Marisa, onde pode observar, o dia inteiro, as moças que vão comprar calcinhas e sutiãs.

Mas cada vez que passo lá lembro-me de um trecho do seu “Pensamento Vivo” (que é uma espécie de best of, feita nos anos 40), no Dicionário de Citações do Paulo Rónai: “Os brasileiros são entusiastas do belo ideal, amigos da sua liberdade, e mal sofrem perder as regalias que uma vez adquiriram. Obedientes ao justo, inimigos do arbitrário, suportam melhor o roubo que o vilipêndio; ignorantes por falta de instrução, mas cheios de talento por natureza; de imaginação brilhante e por isso amigos de novidades que prometem perfeição e enobrecimento; generosos, mas com bazófia; capazes de grandes ações, contanto que não exijam atenção aturada e não requeiram trabalho assíduo e monotônico; apaixonados do sexo por clima, vida e educação. Empreendem muito, acabam pouco. Serão os atenienses da América, se não forem comprimidos e desanimados pelo despotismo”.

A cada dia, as notícias políticas confirmam boa parte desse diagnóstico.

Na última semana, vimos a dança da impunidade, naquele grande salão de baile brasiliense. Vimos o caseiro, que denunciou o ministro. Vimos depósitos na conta bancária do caseiro. Vimos o ministro finalmente largar o osso. Mas o que esperavam de um ministro que foi eleito prefeito de uma cidade, prometendo, por escritura passada em cartório, que não largaria a prefeitura, e largou?

E passa este escândalo, e passa esta CPI, e continuamos achando isto aqui uma beleza; continuamos sofrendo cada vez que nos tiram um “direito adquirido”; continuamos dando pouca importância para os roubos; continuamos ignorantes, desatentos e preguiçosos; continuamos apaixonados por sexo e continuamos tentando muito e realizando nada.

O Patriarca, agora empedernido no seu pedestal (e decerto procurando, de lá de cima, aculturado, uma brechinha nos provadores da Marisa) deve arrepender-se só da frase final: mesmo sem opressão despótica, não viramos os atenienses da América – faltou-nos, para que chegássemos lá, um pouco da alma espartana.