quinta-feira, maio 5

Quarto Parágrafo.

Estava na terceira gravidez, que lhe pesava mais dos que as outras duas juntas. Sua barriga tinha estrias que, passando de cor-de-rosa, eram já brancas, revelando a camada de gordura sob a pele. Caminhava rápido, e sentia que não havia mais tempo para a cesária, Deus, não havia mais tempo nem para o parto: sua barriga rasgou-se e a criança sorriu para ela enquanto ela perdia a consciência e litros e litros de sangue. Só teve tempo para reparar que, gozado: seu filho (era um menino, desta vez) já tinha dentes…

Acordou sentindo a mão de Caio no seu ombro e seu hálito matinal perto do rosto. “Calma, amor… Calma. É só um sonho, eu estou aqui.”

A presença dele, pelo menos desta vez, de fato, tranqüilizou-a. Senti-lo ali, sólido, meio gordo, mal barbeado e completamente despenteado, arrancou-a da teia do sonho. Ficou só a sensação da noite ruim, de alguma angústia física, na boca do estômago. E a camisola umedecida de suor, dava a certeza de alguma coisa má, por acontecer.

“Pára, Caio! Que mania!” Levantou-se de um pulo, já emburrada. “Que coisa!” esbravejou sem sorrir. “Que mania de tentar transar de manhã! Não quero, não gosto!”

A mão boba dele ficara no meio do caminho e ele, também já irritado, esquivou-se dela com um resmungo e enfiou-se no banheiro, escondendo a ereção.

O Caio demoraria horas no banheiro. Era, segundo ele dizia, o único lugar onde tinha algum sossego. Levava para lá o jornal do dia e de lá só saía quase uma hora depois, de banho tomado e com mais perfume do que recomenda o bom-gosto.

“Que saco” pensou, quando se viu sozinha no quarto, voltando à cama (gostava de voltar à cama desarrumada e, enquanto fazia hora nos lençóis ainda quentinhos, a Laura vestiria as duas meninas, as levaria para fazerem xixi e, depois, para a mesa do café da manhã).

Depois da segunda filha, Caio relaxou completamente. Engordou e envelheceu. Estava ficando careca. Já não provocava nela nenhuma vontade, senão a de estar longe dele. Ninguém mais a atiçava, essa era a verdade. Mesmo ali, na cama quentinha, não tinha vontade de nada – só de dormir, dormir, dormir… Mas, vendo na luzinha verde do aparelho de som do quarto que já passava das nove, decidiu levantar e vestir-se.

Quando abotoava o jeans, olhou para sua barriga lisa, para o seu umbigo e para a cicatriz do último parto. A gravidez sonhada voltou de uma vez, sólida. Não conseguiu deter o jato de vômito e, enquanto via sua bílis respingando nas gavetas de calçados, pensou: “Meu Deus, ele tinha dentes!”

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

quem te contou como uma mulher pode se sentir?
hein? quem te ensinou os códigos da infelicidade? hein?

6.5.05  

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