segunda-feira, agosto 29

Kevin Johansen

O cara é alasquense, mas criado na Argentina.

Tem umas letrinhas diferentinhas, e faz cumbias, rumbas, bossas novas e sambinhas. Tem até um rap, McGuevara’s ou Che Donald’s, com letra quase boa.

Ouvi-o numa solitária noite buenosairense, numa espécie de MTV local –que na verdade não é MTV e, por isso, passa bastante clipe de música. Esta, era a bossinha, com letra batuta:

Desde que te perdí
La vida me sonríe sin cesar,
tengo trabajo y mucha estabilidad
y hasta he trepado en la escala social.

De ágape en ágape,
princesas me sonríen de cuando en vez,
me dicen el Hugh Hefner Aragonés,
seguro que no sabes ni quién es...

Desde que te perdí hago lo que me da la gana
Desde que te perdí ya no tengo ganas de nada...

Que acham? Se quiserem, tem mais informação e mais MP3s gratuitos aqui e aqui.

quarta-feira, agosto 24

Justiça II, epílogo.

5.
O oficial não gostava de computadores, não queria ter um notebook. Mas, de freqüentar a Heliópolis, que estava na região onde entregava seus mandados, e para onde sempre ia, gostasse ou não, tinha adquirido um certo gosto por maconha e cocaína.
No começo, comprou de curiosidade – maconha, na faculdade, era normal; coca, só para os mais malucos. Agora, cheirava - mas não achava que era maluco. Bobagem de criança. Mas era um hábito caro, e o salário de oficial, mesmo com todos os benefícios, mais as diligências que cobrava por fora, não bastavam - até porque um terço do que ganhava ia para a pensão da filha, que ficou com a vaca da ex-mulher. Por isso, estava sempre atento a alguma oportunidade extraordinária. E, desta vez, um notebook que valia uns dois paus – pelo menos uns cinqüenta papelotes – veio a calhar.

Quando caminhava para o boteco onde faria a troca, um moleque forte, que passava de peito estufado e gingando com os ombros, mostrou um 22 na cintura da calça jeans e mandou que entregasse a mala, com o notebook. Na antecipação pelos papelotes que estava a ponto de receber, hesitou, e procurou o seu 38 nas costas – mas estava desarmado, sempre vinha desarmado para a Heliópolis. Foi o suficiente para receber dois tiros rápidos, um no rosto, outro no pescoço. A dor aguda no maxilar cedeu aos poucos, na medida em que sua aorta aberta tingia o barro da favela. Antes de morrer, sentiu puxarem a alça do notebook e darem-lhe um chute forte nos quadris.

6.
Depois da partida, que ganhou com mais dificuldade que esperava, convidou o publicitário para ver um DVD recém-comprado, com o Milton Nascimento cantando na Suíça. Não percebeu que, no fundo, torcia para que Zildinha ainda não estivesse em casa. E, de fato, não estava.

Abriu duas Cerpas e um pacotinho de mixed nuts. Ligou a sua aparelhagem – que dizia ser high end – e convidou o publicitário para sentar-se. “Vou melar todo o couro, ainda estou suado!”, disse ele. “Deixe de frescura”, respondeu, rindo.
Zildinha – que estava num flat de uma amiga separada, com ela e três garotos de programa – avisou pelo telefone que iria jantar fora e só chegaria depois das onze. Era quinta-feira, e eles tinham combinado que, às quintas-feiras, eles poderiam fazer seus própros programas. "Cada um por si, mas com respeito", era o que tinham ajustado.
Enquanto Milton Nascimento e Wagner Tiso repetiam a Travessia, o publicitário, já na terceira Cerpinha, perguntava ao juiz se ele tinha reparado, na Santa Ceia do Da Vinci, se o apóstolo João tinha tetas, mesmo. Sem dar a resposta, o juiz segurou-lhe a coxa com a mão direita e inclinou a cabeça, avançando para o beijo, louco para encostar seu peito na camisa do publicitário, ainda úmida de suor.

7.
No dia seguinte, apesar de um certo desconforto na parte de trás, não se sentia gay. Era isso, ser gay? Não, achava que não. Ele nunca desmunhecaria, nem falaria como uma mulherzinha.
Ainda estava na cama – já com a Zildinha que, graças a Deus, chegou muito tarde e não quis sexo – quando foi avisado, pelo telefone, da morte do oficial. Ficou aborrecido: teria que ir logo ao Fórum, emitir uma Portaria decretando luto oficial por um dia e comparecer ao enterro. Talvez tivesse que dizer algumas palavras de consolo aos familiares.

Depois do banho e de vestir o paletó escuro, com a gravata Zegna azul clara, já estava de melhor humor, lembrando que disporia do carro oficial e poderia chegar mais cedo em casa, vindo direto do cemitério. Saiu cantarolando: “eu não quero mais a morte, tenho muito que viver; vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer”.
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Para quem quiser ler desde o começo: parte I, parte II.
Os fatos e as personagens são todos ficcionais. Qualquer semelhança com fatos ou pessoas reais terá sido mera coincidência, além de pura maldade do autor.

terça-feira, agosto 23

London, London.




Muito triste, violenta e lamentável mesmo, a morte do brasileiro que escolheu Londres para ganhar a vida.

Mas, meu Deus, será que ninguém vai falar que a Polícia Inglesa também é, de certa forma, vítima nessa história?

Ou será que alguém acredita que mataram o rapaz de propósito? Será que ninguém é capaz de medir o desespero dos policiais, que certamente acreditavam estar na frente de um terrorista, a ponto de explodir uma estação de metrô? Será que ninguém sabe como o metrô de Londres é subterrâneo e claustrofóbico, e que deve causar uma agonia intensa, saber que alguma coisa pode explodir, lá embaixo?

Será que ninguém vai atribuir ao menos um pouquinho da culpa aos terroristas?

Harriet Wistrich, certamente lotada de bons sentimentos humanos, agradece.

segunda-feira, agosto 22

Doctor Chesterton's Orthodoxy Pills

Every act of will is an act os self-limitation. To desire action is to desire limitation. In that sense, every act is an act of self-sacrifice. When you choose anything, you reject everything else.

sexta-feira, agosto 19

O tempora! O mores! - Update



Era pior do que eu lembrava: "Mesmo posando nua, Grazielli Massafera não abandona seu estilo angelical e revela: só vai casar quando tiver filhos."

quarta-feira, agosto 17

O tempora! O mores!

Na banca de jornal, li uma manchete sobre a bunda da vez, que dizia, mais ou menos, o seguinte: “Grazi mantém ar angelical apesar de posar nua e anuncia que só vai casar quando tiver um filho”.

É o que diz o Chefe: vivemos num país cheio de virgens c’o fiofó enlarguecido.

sexta-feira, agosto 12

Para você gostar de ler.

Ando sem tempo - ou talvez sem vontade - de escrever coisas aqui. Tenho lido pouco, só Wodehouse, no caminho de casa e na hora de dormir (quando resisto por uma ou duas páginas), nada mais. Mas não quero que o bloguinho fique com cara de abandonado. Por isso, lá vai um trechinho de um texto do Llosa, que é uma coisa bacana, que eu queria ter pensado. E agora penso.

"El vínculo fraterno que la literatura establece entre los seres humanos, obligándolos a dialogar y haciéndolos conscientes de un fondo común, de formar parte de un mismo linaje espiritual, transciende las barreras del tiempo. La literatura nos retrotrae al pasado y nos hermana con quienes, en épocas idas, fraguaron, gozaron y soñaron con esos textos que nos legaron y que, ahora, nos hacen gozar y soñar también a nosotros. Ese sentimiento de pertenencia a la colectividad humana a través del tiempo y el espacio es el más alto logro de la cultura y nada contribuye tanto a renovarlo en cada generación como la literatura."

Bonito, né? Está no "As Verdades das Mentiras" (que eu, bestamente apressado, comprei em espanhol).

quarta-feira, agosto 10

Doctor Chesterton’s Orthodoxy Pills.

"The peril is that the human intellect is free to destroy itself. Just as one generation could prevent the very existence of the next generation, by all entering a monastery or jumping into the sea, so one set of thinkers in some degree can prevent further thinking by teaching the next generation that there is no validity in human thought."

quinta-feira, agosto 4

Dois anos, dois meses, vinte e um dias.


Dois anos, dois meses, vinte e um dias,
ficou ele em casa.
Dois anos dois meses, vinte e um dias,
com manhãs longas.
Dois anos dois meses, vinte e um dias,
só ele, e a mãe.
Dois anos dois meses, vinte e um dias,
menino.
Dois anos dois meses, vinte e um dias.
E hoje foi para a escola.

segunda-feira, agosto 1

Justiça II, Parte II.

3.
Pelas cinco da tarde, como não havia mais audiências, decidiu o juiz voltar para casa. O dia estava claro, quem sabe ainda jogaria tênis, no condomínio, com o publicitário do 14°, de quem sempre ganhava com alguma facilidade (e por cujas pernas tinha uma fascinação que não conseguia explicar). Avisou sua auxiliar de sala, vestiu o paletó, já procurando as chaves do carro – o motorista tinha levado a Zildinha ao dermatologista, e ele tivera que vir guiando.

A Zildinha, que coisa, que coisa. Por mais que ela passasse os dias na academia, por mais que ela se bronzeasse, por mais que se vestisse sempre com roupas de vitrines caras, não o atraía mais. Sexo era esporádico e obrigatório, sem volúpia, quase asséptico. Seus prazeres eram o tênis e o home theater: era capaz de assistir dois filmes pela manhã, antes de almoçar e ir ao fórum. Gostava de filmes de ação, com muitos efeitos, para tirar o máximo de seus aparelhos da Bang&Olufsen.

No caminho, passou, sem saber, na frente da empresa falida. Os funcionários, até a velha secretária, já tinham ido embora. O oficial, ao lado do auxiliar do síndico, terminava de colar o ofício de lacração na porta. Carregava uma mala de notebook.

4.
A velha secretária levara o 22 sem saber ao certo porquê. No momento em que pegou a arma, pensou em se matar: sem a empresa, sua vida de mãe solteira, já esvaziada da filha única – que morrera ano antes, atropelada – não teria mais graça nenhuma. Agora, contudo, já no ônibus que a levava para casa, achava uma grande bobagem. Não teria coragem de disparar; talvez nem tivesse força para apertar o gatilho.

Ao descer do ônibus, pensando no que faria se a firma não abrisse mais, não percebeu um moleque forte, que passou do seu lado já correndo, e arrancou-lhe a bolsa do ombro. Menos mal: nela só foi o 22, uns lenços de papel e umas cartelas de Tylenol, para a eterna enxaqueca. Os documentos, e o pouco dinheiro que tinha, carregava sempre numa carteira, na mão, que caiu ao chão no impacto com o ladrão, mas não foi levada.

Não pôde deixar de sorrir. O sinal foi claro: Deus ainda tinha alguma missão, para ela.