João Mellão.
Procurei muito pela internet este texto, publicado n' "O Estado" de domingo. Como foi difícil achar, posto-o aqui.
"Platão, que viveu em Atenas, no século 4.º antes de Cristo, não era fã da democracia. Em sua mais famosa obra, A República, ele defendia um Estado que fosse gerido pelo que chamou de “guardiães”. Estes seriam cidadãos em tudo especiais. Apartados de sua família desde a infância, eles seriam educados na mais rígida disciplina e cultura. Receberiam uma vasta formação em filosofia, viveriam entre si em comunidades fechadas, não poderiam casar-se, ter filhos ou possuir propriedades. Quando adultos e devidamente provados, eles governariam a polis com muita sabedoria e isenção. A república nunca foi testada, na prática, em nenhuma sociedade da época. O próprio Platão chegou a admitir que seu modelo, apesar de ideal, dificilmente poderia ser implementado.
Nos primórdios da religião cristã, havia muitos platonistas, em especial Santo Agostinho. Quando se estruturou a Igreja Católica, mesmo sem fazê-lo intencionalmente, eles formularam a sua estrutura de forma muito semelhante ao ideal platônico. Seus sacerdotes são formados e vivem exatamente como os guardiães da República. Entre inúmeras outras, esta foi uma das razões da coesão da Igreja, no decorrer de quase dois milênios.
Eu, pessoalmente, creio em Deus e me entendo como um agnóstico. Muita gente confunde agnóstico com ateu. É muito diferente. Tanto o ateísmo como o religiosismo fervoroso, a meu ver,são posturas por demais presunçosas. O ateu é um pretensioso porque julga possuir conhecimentos suficientes sobre o Céu e a Terra para declarar, peremptoriamente, que Deus não existe. O religioso fanático, por sua vez, é um presunçoso por acreditar ser um escolhido, ser particularmente protegido por Deus e ter uma relação especial com o Todo-Poderoso, enquanto Este, por definição, não faz diferença entre seus filhos e os ama a todos indistintamente.
O agnóstico, de todos, é o mais humilde. Agnóstico que dizer “sem conhecimento”. O agnóstico entende que, no universo, há inúmeros fenômenos além da sua compreensão. Somos simples humanos, todas as nossas percepções do mundo provêm dos nossos cinco sentidos e do nosso raciocínio para interpretá-las. Ora, nossos sentidos são extremamente limitados. O que chamamos de raciocínio não passa de um software sofrível, rodado num hardware – nossa mente – mais sofrível ainda. Como podemos pretender, assim, conhecer o todo universal? Não compreendemos mais que uma ínfima parte. Shakespeare, o mais profundo conhecedor da alma humana que já existiu, afirmou que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que imagina a nossa vã filosofia”. Ele estava certo. Eu, de minha parte, me confesso, humildemente, um agnóstico. Os desígnios de Deus fogem à minha modesta percepção.
Na falta de um poder de compreensão maior, o instrumento de que me valho é o famoso e infalível “teste do tempo”. É o seguinte:o passar do tempo é avassalador. Ele desacredita crenças, costumes, modismos e convicções. Na falta de discernimento para saber o que é certo e o que é errado, o que é falso ou verdadeiro, nada melhor do que aplicar o teste do tempo. Certo e verdadeiro é aquilo que consegue resistir ao passar dos anos, séculos ou milênios. A instituição família é certa e verdadeira, pois que existe, intacta, desde o início das civilizações. A crença num ente superior também o é, visto que permeou todas as sociedades, desde o início dos tempos.
Cristo é válido? É. Por mais que existam controvérsias a respeito de sua vida e seus ensinamentos,o fato é que algo de muito extraordinário ocorreu na antiga Galiléia, para mudar o curso da História universal. Embora o cristianismo, como doutrina, esteja impregnado de valores tomados de empréstimo das anteriores religiões orientais (em especial do zoroastrismo persa), suas verdades são suficientemente fortes para ter resistido e se multiplicado no transcorrer de dois milênios. Quantos messias e autoproclamados “enviados de Deus” não apareceram antes e depois de Cristo?Milhares. Mas só Cristo e sua divina mensagem permanecem até os dias de hoje.
A Igreja Católica é certa e verdadeira? Ora, ela existe e mantém a sua imensa força moral e espiritual desde os primórdios do cristianismo. Vez por outra, ela comete erros, defende conceitos equivocados e prega verdades que foram ultrapassadas pela ciência. Mas nenhuma de suas inúmeras falhas foi suficiente para desacreditá-la ou provocar o seu declínio e desaparecimento ao longo de dois milhares de anos. Quantas e quantas religiões e seitas nasceram e morreram nesse longo período? Milhares. Nenhuma resistiu ao implacável teste do tempo. A Santa Madre Igreja, ao contrário, permanece forte e acreditada na alma de 1,1 bilhão de seres humanos. Mesmo que muitas vezes discordemos de seus preceitos ou duvidemos de alguns de seus dogmas, havemos de respeitá-la profundamente. A Igreja é uma estrutura erigida e sustentada pelo empenho de milhares e milhares de homens e mulheres que, por sua fé e virtuosidade superior, construíram o seu imenso patrimônio moral. Se são real mente “santos” ou não, tanto faz. Foram seres iluminados, que deram sua vida para conquistar, para a Igreja, o imenso prestígio que ela preserva até hoje.
A eleição do cardeal Ratzinger, um ferrenho conservador, como papa, para mim, representou uma reafirmação inconteste, pelos príncipes da Igreja,dos valores milenares da instituição e uma resposta aos modismos atuais que procuram transfigurá-la. Certa ou errada, a Igreja só é o que é porque sempre foi coerente e intransigente nos princípios que prega. Como alguém já disse, “os reis morrem, os impérios desaparecem, os palácios ruem, tudo se vai, somente a oração permanece”.
João Mellão Neto, jornalista, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado. E-mail: j.mellao@uol.com.br. Site.
Nos primórdios da religião cristã, havia muitos platonistas, em especial Santo Agostinho. Quando se estruturou a Igreja Católica, mesmo sem fazê-lo intencionalmente, eles formularam a sua estrutura de forma muito semelhante ao ideal platônico. Seus sacerdotes são formados e vivem exatamente como os guardiães da República. Entre inúmeras outras, esta foi uma das razões da coesão da Igreja, no decorrer de quase dois milênios.
Eu, pessoalmente, creio em Deus e me entendo como um agnóstico. Muita gente confunde agnóstico com ateu. É muito diferente. Tanto o ateísmo como o religiosismo fervoroso, a meu ver,são posturas por demais presunçosas. O ateu é um pretensioso porque julga possuir conhecimentos suficientes sobre o Céu e a Terra para declarar, peremptoriamente, que Deus não existe. O religioso fanático, por sua vez, é um presunçoso por acreditar ser um escolhido, ser particularmente protegido por Deus e ter uma relação especial com o Todo-Poderoso, enquanto Este, por definição, não faz diferença entre seus filhos e os ama a todos indistintamente.
O agnóstico, de todos, é o mais humilde. Agnóstico que dizer “sem conhecimento”. O agnóstico entende que, no universo, há inúmeros fenômenos além da sua compreensão. Somos simples humanos, todas as nossas percepções do mundo provêm dos nossos cinco sentidos e do nosso raciocínio para interpretá-las. Ora, nossos sentidos são extremamente limitados. O que chamamos de raciocínio não passa de um software sofrível, rodado num hardware – nossa mente – mais sofrível ainda. Como podemos pretender, assim, conhecer o todo universal? Não compreendemos mais que uma ínfima parte. Shakespeare, o mais profundo conhecedor da alma humana que já existiu, afirmou que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que imagina a nossa vã filosofia”. Ele estava certo. Eu, de minha parte, me confesso, humildemente, um agnóstico. Os desígnios de Deus fogem à minha modesta percepção.
Na falta de um poder de compreensão maior, o instrumento de que me valho é o famoso e infalível “teste do tempo”. É o seguinte:o passar do tempo é avassalador. Ele desacredita crenças, costumes, modismos e convicções. Na falta de discernimento para saber o que é certo e o que é errado, o que é falso ou verdadeiro, nada melhor do que aplicar o teste do tempo. Certo e verdadeiro é aquilo que consegue resistir ao passar dos anos, séculos ou milênios. A instituição família é certa e verdadeira, pois que existe, intacta, desde o início das civilizações. A crença num ente superior também o é, visto que permeou todas as sociedades, desde o início dos tempos.
Cristo é válido? É. Por mais que existam controvérsias a respeito de sua vida e seus ensinamentos,o fato é que algo de muito extraordinário ocorreu na antiga Galiléia, para mudar o curso da História universal. Embora o cristianismo, como doutrina, esteja impregnado de valores tomados de empréstimo das anteriores religiões orientais (em especial do zoroastrismo persa), suas verdades são suficientemente fortes para ter resistido e se multiplicado no transcorrer de dois milênios. Quantos messias e autoproclamados “enviados de Deus” não apareceram antes e depois de Cristo?Milhares. Mas só Cristo e sua divina mensagem permanecem até os dias de hoje.
A Igreja Católica é certa e verdadeira? Ora, ela existe e mantém a sua imensa força moral e espiritual desde os primórdios do cristianismo. Vez por outra, ela comete erros, defende conceitos equivocados e prega verdades que foram ultrapassadas pela ciência. Mas nenhuma de suas inúmeras falhas foi suficiente para desacreditá-la ou provocar o seu declínio e desaparecimento ao longo de dois milhares de anos. Quantas e quantas religiões e seitas nasceram e morreram nesse longo período? Milhares. Nenhuma resistiu ao implacável teste do tempo. A Santa Madre Igreja, ao contrário, permanece forte e acreditada na alma de 1,1 bilhão de seres humanos. Mesmo que muitas vezes discordemos de seus preceitos ou duvidemos de alguns de seus dogmas, havemos de respeitá-la profundamente. A Igreja é uma estrutura erigida e sustentada pelo empenho de milhares e milhares de homens e mulheres que, por sua fé e virtuosidade superior, construíram o seu imenso patrimônio moral. Se são real mente “santos” ou não, tanto faz. Foram seres iluminados, que deram sua vida para conquistar, para a Igreja, o imenso prestígio que ela preserva até hoje.
A eleição do cardeal Ratzinger, um ferrenho conservador, como papa, para mim, representou uma reafirmação inconteste, pelos príncipes da Igreja,dos valores milenares da instituição e uma resposta aos modismos atuais que procuram transfigurá-la. Certa ou errada, a Igreja só é o que é porque sempre foi coerente e intransigente nos princípios que prega. Como alguém já disse, “os reis morrem, os impérios desaparecem, os palácios ruem, tudo se vai, somente a oração permanece”.
João Mellão Neto, jornalista, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado. E-mail: j.mellao@uol.com.br. Site.
5 Comentários:
obrigada.
nem imagina como me fez bem ler este texto, especialmente hoje. muitos beijos.
So acho uma coisa: proclamar a todos os ventos a própria humildade é primo primeiro do presunçoso orgulho.
deixa ele chamar mellão... uai...
não tem as peras? Marilias e Sandras?
Não tem a dani bananinha?
fruta faz bem. eu queria ser perauvamaçã de mellão e bragança....
colocar no mesmo nível "cometer erros" com "pregar verdades ultrpassadas pela ciência" soa mal num agnóstico.
pelo contrário, se a gente está tão mal aparelhado para o conhecimento do mundo, por que a ciência - um empreendimento humano - teria direito a último voto?
Rodrigo,
Creio que o Mellão tivesse em vista coisas concretas, quando disse que a igreja, “vez por outra, ela comete erros, defende conceitos equivocados e prega verdades que foram ultrapassadas pela ciência.”
O caso do Galilei Galilei, por exemplo, é recorrente nos detratores da Igreja Católica: usam como exemplo de anacronismo e estupidez. E, de fato, naquele episódio, cometeu erro, defendeu conceito equivocado e pregou verdade ultrapassada pela ciência (que eu me lembre, é o único caso que se encaixa; talvez ele estivesse, mesmo, na mira do Mellão).
Quanto ao nosso limitado hardware, não creio que ele seja insuficiente para conhecermos o mundo – mas é ruinzinho demais para percebermos Deus.
Não sou o autor do texto – e tem umas passagens que me põem em dúvida – mas acho que é isso aí.
GALILEU Galilei, caramba.
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