domingo, maio 28

Às de costume.

1.
Às de costume, nada disse, passando a declarar: “que acordou cedo para ir ao Palmeiras x Corinthians, no Morumbi; que foi com o irmão do seu advogado, Dr. Maurício Bonamigo; que o Dr. Bonamigo tinha dois ingressos, mas não pôde ir e deu-lhe o ingresso; que aceitou o ingresso e dispôs-se a levar o irmão do Dr. Bonamigo no seu táxi; que é taxista há doze anos; que era casado com a vítima há dezoito; que no começo de 2005 descobriu que a vítima o traía com o cunhado, marido de sua irmã; que quando soube da traição procurou o Dr. Bonamigo; que o Dr. Bonamigo entrou com a ação de separação; que teve de sair de casa e a vítima ficou lá, com o filho de 7 anos, sendo que o outro, de 17, mudou-se para Araçatuba, com parentes do depoente; que o Dr. Bonamigo pediu exame de DNA, descobrindo que o filho pequeno tem 99,9% de chances de ser do seu cunhado; que soube que o cunhado largou sua irmã e foi morar com a vítima; que pagava R$ 600,00 de pensão; que bateu o táxi há uns seis meses e ficou um tempo sem pagar a pensão; que anteontem recebeu mandado de prisão e o Dr. Bonamigo emprestou o dinheiro para pagar a pensão atrasada; que o Dr. Bonamigo disse que a Justiça estava desandando; que, depois do jogo, deixou o irmão do Dr. Bonamigo em um bar e foi levar uma bandeira do Corinthians para o filho menor; que chegando na casa da vítima, ninguém atendeu a porta; que a porta estava sem trancar e, por isso, entrou; que viu a ex-mulher nua sobre a cama, de bruços e achou que ela estava dormindo, até que percebeu o sangue; que depois viu o corpo do seu cunhado caído do lado da cama; que procurou o filho menor pela casa, mas não o encontrou; que chamou a polícia e esperou pela viatura; que a viatura o trouxe a este DP para prestar este depoimento; que nada mais tem a declarar.”

2.
O delegado achou que não tinha razões para prender o taxista. Ele tinha álibi, não havia sangue em sua roupa, a arma não fora encontrada e o homem morto tinha uma capivara de quase dois metros. Além disso, aquele negro dócil não poderia ter feito os disparos. “Quando soube que era corno, procurou advogado. Por que iria matar agora, depois de mais de um ano?”. Não: decidiu liberar o cara.

3.
Não sabia para onde ir – o que queria era achar o menino, mas tinha medo de voltar à velha casa. Acabou indo para onde morava agora. Estranhou a luz azulada no vidro da sala e suspirou sem querer, quando viu o menino deitadinho no sofá, assistindo TV.
- Que aconteceu, meu filho? Balbuciou, tentando não mostrar o alívio.
- Ah, eu estava lá na casa da mãe, e ela e o tio Cleiton estavam fazendo coisa ruim no quarto. Veio um homem de terno e gravata e eu abri a porta. Ele pediu para eu esperar no carro dele e eu fui. Ele entrou na casa e saiu rapidinho. Me trouxe até aqui e me deu aquela bandeira verde, ali. Disse que o senhor o conhecia e que, se fosse bom amigo, devia fazer eu torcer para o Palmeiras... Mas eu não vou não, viu, pai?
(Mandei este continho para um concuso d'O Estadão, mas faiô. Domingo que vem parece, publicam os onze melhores).

segunda-feira, maio 22

Escrete.

Há algum tempo levei ao ar a minha escalação do time ideal da literatura braso-portuguesa, prometendo a seleção do Resto do Mundo para depois. E eis que depois chegou agora: animado pela Copa do Mundo (que, a exemplo do PCC, propiciará momentos de trânsito caótico e dias de preguiça físico-mental justificável) lanço o time que enfrentará os lusófonos - inclusive por ódio desse epíteto desastroso.

No gol, não tem para ninguém – Shakespeare. Qualidades literárias à parte, sua careca lembra o Waldir Peres e certamente dará segurança à zaga, que não fala a mesma língua. Na lateral direita, assustando o ponta adversário com a sua jogada do pêndulo, Edgar Allan Poe. A zaga – diferente da canarinha – tem que ser sólida, compacta, indiscutível: Dante e Cervantes. Apesar da fama, pouca gente enfrenta essa dupla, de verdade. Na lateral esquerda Dostoievsky – pode até fazer papel de idiota, mas não há ponta direita que resista aos seus golpes de culpa. No meio, Hemingway: nessa posição é preciso ser meio truculento, mas sem perder a criatividade (o ruim é que, de quando em quando, passa uns períodos meio salao, e não pesca nada – sem contar o risco de perder um homem no meio do jogo. Mas, enfim),

Na ponta direita, Chesterton. Dirão que não tem lá o melhor dos estilos – mas é brigador e faz lançamentos como ninguém. Na meia direita, o primeiro latino-americano, Vargas-Llosa: embora já tenha jogado pela esquerda, firmou-se na posição e é um dos melhores da nova geração. O centroavante tem que ser argentino – e não tem para ninguém: é Borges, na cabeça. Não precisa nem enxergar a bola, para ser o melhor - sozinho, Borges domina a área. Com a camisa dez, Wodehouse que, com Jeeves, serve melhor que ninguém. É o futebol-moleque, o Robinho da Literatura Anglo-saxônica. “Pedala, Pi-djêi”, diria aquele asno (como é mesmo? Neves something). Na ponta-esquerda, Montalbán – tem a receita certa para os momentos em que o jogo da direita fica duro demais (se bem que é fácil jogar na ponta-esquerda quando se vive em Barcelona, mas, enfim).

No banco, para horrorizar o time adversário, e surpreendê-lo com lances de mestre, Stephen King. Com um jogo mais delicado, ótimo para quando é preciso fazer o tempo passar devagar, Thomas Mann. E, para prestigiar o futebol-arte, Fitzgerald completa o time e ainda compra os uniformes.

segunda-feira, maio 15

Cena observada esta tarde no Metrô de São Paulo.

The veranda of the central building was illuminated from open french windows, save where the black shadows of stripling walls and the fantastic shadows of iron chairs slithered into a gladiolus bed. From the figures that shuffled between the rooms Miss Warren emerged first in glimpses and then sharply when she saw him; as she crossed the threshould her face caught the room's last light and broght it outside with her. She walked to a rhythm - all that week there had been singing in her ears, summer songs of ardent skies and wild shade, and with his arrival the singing had become so loud she could have joined in with it.

terça-feira, maio 9

Cinema? Rá!

Não vou mais ao cinema. Quer dizer, não vou mais ao cinema adulto.

A coisa mais adulta que vi, no cinema, recentemente, foram as Crônicas de Nárnia: eu e Madame nos enfiamos no Cinemark no aniversário de doze anos de casamento, largando as crianças aos prantos com os avós desesperados (we do not believe in nannies). Programa inesquecível: “Que fizeram nas suas bodas de seda?” “Ora, fomos ao cinema.” “Uau, seu marido é realmente um gastador...”

Por isso, o DVD-player, quando conseguimos um tempinho para ver algo acima dos doze anos, é muito útil.

Ir à bloqui-bãster é muito asséptico. E há sempre uma guerra com as crianças, nas fuças de quem eles gentilmente espalham brinquedos de durabilidade zero e balas do mais energético açúcar. Isso, sem falar na briga de balões, sempre azul contra amarelo, com o risco iminente de um enfiar aquele plastiquinho que segura a bexiga no olho do outro.

Por isso, minha mania, agora, vai ser passar a ser ir aos sebos de DVDs, no Centro. Há um, na Senador Paulo Egídio, que os donos são bolivianos (decerto fugidos do Zacharias). Pesquei lá, há algum tempo, o Hope and Glory, com duas décadas de atraso. Segui recomendação de pessoa bastante adulta e, por isso mesmo, não me decepcionei – não vou dizer, como ele, que é o melhor filme de todos os tempos (há Mary Poppins, por Deus) – mas é, de longe, o melhor filme sobre a Segunda Grande Guerra (ainda se fala “Segunda Grande Guerra”?) que eu já vi.

Numa febre faroéstica, também descolei Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo, C’era una Volta il West, Os Cowboys e o melhor de todos: Meu Nome é Ninguém.

Tudo com a vantagem adicional de que minhas pipocas – feitas na panela, com azeite extra-virgem, e perfumadas com manteiga Viação derretida – são muito melhores que aquele isopor oleoso do cinema.