sexta-feira, fevereiro 24

Maktub.

E, quando for devolver ao dono, ele vai segurá-la pelos ombros, com os indicadores e polegares em pinça, examinando um lado, depois o outro. Eu ali, do lado, encarando o chão branco, envergonhado. Ele vai perceber que está bem surradinha, com remendos aqui e ali, rasgões nuns pedaços. Encardida, mesmo.
- Ô, usou bem, hein?
- Ah, desculpa, não sabia que tinha que devolver...
- Mas é assim mesmo. Não gosto quando elas voltam engomadinhas.
Sorrindo (como sorriem os pais, escondidos, das mal-criações engraçadinhas dos filhos pequenos) vai jogar minha alminha usada num canto. E, indicando o portão aberto com um meneio leve da cabeça, vai dizer:
- Pode entrar, pode entrar.

segunda-feira, fevereiro 20

Pai Continua Lendo.

Séculos atrás, neste mesmo blogue (Deus, como escrevia mal! – não que escreva bem agora, mas, puxa, como escrevia pior!), fiz uma rápida listinha do que lia à noite, para a filhota. Hoje, passado todo esse tempo, faço os acréscimos do que temos lido à noite, à luz do abajur (que, dash it, derreteu parte da cortina).

Quase tudo que for do Roald Dahl é batuta, para pimpolhos. Além da Fantástica Fábrica (obviamente melhor que os filmes, ambos), tem a Matilda (de que também já fizeram filme, e é bem bacaninha, com poderes telecinéticos e tudo), tem O Remédio Maravilhoso de Jorge (onde a vó é má e, depois de tomar o remédio feito pelo Jorge com tudo o que tinha pela casa, cresce até as nuvens e, com o antídoto, desaparece totalmente, para alegria do Jorge e do pai dele, genro por excelência); Os Minpins (que tem ilustrações bonitonas e é bem curtinho) e Os Pestes (de um casal bem nojento, que morre de cabeça para baixo, com os cocurutos grudados no chão, por uns macacos).

Todos lidos (ouvidos) e aprovados pela maiorzinha, que acaba de passar um mês dos cinco anos.

Depois dessa overdose de Dahl, passamos à Píppi Meia-Longa, onde só chegamos depois de eu vencer meu preconceito, pelas capas new wave. Estamos no terceiro volume, verde-limão, depois de termos passado pelo laranja-berrante e, claro, pelo rosa-choque. Ela (a Píppi) é bem mal-educada, mas tem uma mala cheia de moedas de ouro, com que compra balas e doces para todos. É forte como dez homens e mora sozinha. Seu pai mora numa ilha tropical, onde virou o rei dos canibais. Tem um cavalo (que ela carrega no colo) e um macaco, senhor Nilson. Quase uma super-heroína. Muito embora tudo se passe em paragens nórdicas, onde vivia a sueca autora, Astrid Lindgren, a pequena adora. Especialmente as malcriações, claro.

De entremeio, não se dispensam os contos dos Grimm, nem as fábulas do Esopo. E às vezes, para tentar pegar o menor, ou para uma ida mais demorada ao troninho, umas historinhas da Ruth Rocha – se têm, no fundo, aquela moral esquisita dos anos 70 e 80, servem, ao menos, para matar saudades da época que saíam na Recreio.

Temos planos para a o Jardim Secreto, para a Pollyanna, para a Nárnia, para as Desventuras em Série. E aceitam-se sugestões.

quarta-feira, fevereiro 15

Conselho aos Hackers.

Profissionalizam-se, os malandros: primeiro, eu recebia e-mails de banco onde nunca tive conta, pedindo para recadastrar meus dados. Mas os logotipos eram meio desproporcionais e, cáspita, eu não tinha conta lá, mesmo. Caía quem queria.

Depois, os cartões virtuais: alguns segundos de hesitação, pensando em que mulher poderia, nesta altura do campeonato, estar desesperada por você, a ponto de mandar cartões virtuais de cãezinhos felpudos com a cabeça inclinada e língua de fora. Mas aí você percebe que qualquer mulher que te mande um troço daqueles não merece nem ser conhecida (biblicamente, ou não). E que, no fundo, alguém que não ama muito você está tentando meter um troiano na sua máquina. Mas aposto que muito neguinho caiu – e muitas, muitas mulheres, especialmente as mais gordotas.

Também recebo, até hoje, avisos da receita federal, de que meu CPF, se eu não clicar ali, vai para o saco. E uns avisos de cobrança da Tim, que me ameaçam mandar para o Serasa, ou para o inferno – eu evitaria tudo isso, veja você, apenas metendo o mouse onde não devia.

E vieram outras, com presentes do Boticário, fotos da Bia Boa, promessas de alguém que me acha o par perfeito. Agora, a moda, certamente derivada do Orkut, é alguém te procurar dizendo que acha que você é o cara que estudou com ele (ou ela), e clique ali, veja a minha foto.

Não sei exatamente a razão, mas ainda não caí em nenhuma dessas. Tá, eu assisto Penn & Teller às vezes, e sei imitar bem o portuñol do Padre Quevedo. Mas acho que não é só esse cruel ceticismo que me afasta dessas armadilhas: o Português dos e-mails tem um genecequá de errado, de fora do lugar. Não é só que o Português é ruim (ah, Roberto Carlos, que saudade) – o Português é ruim, sim, mas o Português de quem manda presentes do Boticário e fotos da época da escola, via de regra, também não é lá grande coisa. Ao menos o dos caras da minha escola.

É que para escrever esses e-mails, não basta o malandro ter veia de publicitário e conhecer o público-álvaro. Ao contrário: para funcionar, para enganar, mesmo, tem que ser escritor e, na hora de redigir, acreditar que é o personagem-autor-do-e-mail. Esqueça a empatia: para enganar bem, tem que ter simpatia, mesmo (taí o Pezidente, que não me deixa mentir – embora deixe o resto da corriola. Mas, doutor, Jivago).

Quando os malandros descobrirem que lhes falta esse talento, vai ter muito blogueiro virando profissional.