quarta-feira, julho 27

Doctor Chesterton's Orthodoxy Pills.

The modern world is full of the Old Christian virtues gone mad. The virtues have gone mad because they have been isolated from each other and are wandering alone. Thus, some scientists care for truth; and their truth is pitiless. Thus, some humanitarians only care for pity; and their pity (I am sorry to say) is often untruthful.

segunda-feira, julho 25

Wonka.


Não sou crítico de literatura, menos ainda de cinema. Mas não aprendo, e continuo confiando em críticos de literatura e de cinema. Do pouco que vi – Estadão e Folha, sobretudo – ninguém falou mal da Fantástica Fábrica de Chocolate. O máximo que disseram é que o Depp não parece, não senhor, com o Michael Jackson. Mas o filme é uma bela porcaria.
Há coisa de um mês, li para a minha filha de 4 anos, o livro do Road Dahl, que eu mesmo tinha lido lá pelos 10. O livro é bacaninha: fantasia curta, terna e cuja única intenção é mostrar um menino bonzinho, comparado com quatro cretininhos – um guloso; uma mascadora de chicletes; uma ranhetinha mimada e um viciado em TV. O melhor do livro é o clima de Dickens, no frio, na neve, na rala sopa de repolho e nas seguidas decepções com as aberturas das barras Wonkas. Até que aparece o cumpom dourado, e começa a trama. Pronto, só isso.
Lido o livro, arranjei o DVD com a primeira versão do filme, Gene Wilder, como Willy Wonka. Envelheceu, envelheceu. E há algumas diferenças (não são esquilos que se desfazem da Veroca Sal, noz oca, mas patos que se livram dela, como uma bad egg) e alguns acréscimos – o pior deles, fazer o Charlie Bucket e o avô beberem um troço que não deviam (no filme, eles eram bonzinhos mas, ah, não eram de ferro). E a proposta da venda da bala interminável, como teste de honestidade (que não há, no livro), até que não foi das piores idéias.
O novo filme, Tim Burton e cenários sombrios à frente, acrescenta um passado ao Sr. Wonka: ele teria sido vítima de um pai dentista, que o fazia usar aparelhos que evocam os de Hannie Lecter. Por isso, vingou-se, virando o maior fabricante de doces do mundo. Com esse acréscimo froidiano de almanaque, o final vai para as cucuias: o filme não termina – esgota-se.
Os umpa-lumpas, que já no primeiro filme são anões mal-maquiados e não repetem os homenzinhos do livro, neste último acabaram de perder o encanto, num efeito digital que multiplica a sem-gracice. E ainda quiseram inventar a roda: não cantaram umpa-lumpa, dupa di-du, como era de se esperar.
Além disso, há as ridículas referências cinematográficas – que eu vi, ao 2001 e ao Eduardo Mãos-de-Tesoura, esta duplamente cabotina – e uma grande chance de Johnny Depp deixar passar um roteiro sem se melar. Willy Wonca, até para a minha filha de 4 anos, continua sendo o Gene Wilder.
A mãe dela, melhor crítica de cinema que eu conheço (não dorme no filme, e ainda me cutuca, para eu acordar) completou: quem nasceu para Burton, nunca chega a Spielberg.

sexta-feira, julho 22

Nostradamus?

O relativismo, em que o que se sente é que é importante e não o herdado por séculos de humanidade, o preservado depois de mil Descartes, o que é, em suma, cultura, caiu sobre nós. Considerem a música popular de Noel Rosa a Cole Porter e o que se passa por música hoje. Não há um escritor de primeira que não seja pré-60. Pensem no jazz dos negros "escravos" e no rap dos negros "libertos". O dilúvio, agora. (Estado, 18.4.93)

segunda-feira, julho 18

Cabotinagem.

Entrei num concurso de micro-contos e me classificaram. Mas, sacaneei – não era um micro-conto, era uma foto. Agora já foi.

Foto
Um homem mongolóide, grisalho e abatido, de barba mal-feita e olhar infinito segura o alto portão de ferro, com as mãos longas dando voltas nas grades. Uma senhora de rosto enrugado, de cabelos brancos, compridos e soltos, passa-lhe a mão sobre os cabelos da nuca e solta no ar um meio-sorriso. Hoje de manhã, na Vila Olímpia.

Filas para comprar livros.

De toda a série, só li o primeiro, no original. E também só vi o primeiro filme, muito fielzinho ao livro, embora mais sombrio.

A historinha é simples, os ingredientes são conhecidos, a escrita flui fácil e não há muito de subliminar, no enredo todo.

Claro, esse lançamento mundial não passa de uma jogada de marquetchim, que parece copiada do Beaujoulais Noveau.

Mas, putz, que é bem legal ver um monte de gente esperando lançarem um livro (em Inglês, for God's sake, em Inglês!), fazendo fila para comprar e ler, como se estivessem em crise de abstinência, ah, lá isso é.

quinta-feira, julho 14

Teste de fidelidade.

Faça um teste, hoje: ao pagar o taxista, ou o dono da padaria, peça que lhe dê um recibo, uma nota fiscal. A pergunta inevitável, vai ser – “de que valor, doutor?”. Se não vier a pergunta, peça você mesmo que o valor seja o dobro do que pagou.

Pronto. Você, o taxista e o padeiro são mais alguns candidatos à suave intervenção da Justiça e suas submetralhadoras.

terça-feira, julho 12

Justiça II, parte I.

1.
“Para que me preocupar, meu Deus, para quê?”. Eram seis anos na magistratura e, em tempo recorde, já ocupava a sala de titular do fórum central de São Paulo. Nesse tempo – e de tanto ouvir seu pai, desembargador aposentado, falar – tinha aprendido: quem contrata advogado muito bom, em regra, não tem razão.

Por isso, naquele caso, um pedidinho de falência sem importância, resolveu não pensar muito: a defesa, esmerada, abordava questões jurídicas relevantes - o protesto irregular, a citação nula e outras coisas mais. Mas a devedora não fez o depósito e, ainda por cima, tinha contratado advogados bons. Decidiu com o estômago, como também recomendava seu pai. E decretou a quebra.

Como é de hábito, para evitar que os ladrões falidos se escafedam com os bens da empresa, manteve a sentença em sua própria sala, impedindo que qualquer um tivesse acesso. Também como de hábito, nomeou síndico um japonês com quem jogava futebol-de-salão às sextas, e que sempre lhe pareceu honesto, apesar de uma ou outra reclamação de advogados. “Advogados sempre reclamam”, pensava. “São pagos para isso”.


2.
O oficial de justiça, com um auxiliar do síndico (o japonês só comparecia nos casos grandes), foram à fábrica falida e encontraram uma velha secretária, com dois telefonemas a atender, que lhes pediu um minuto. O oficial, maldoso, pôs o dedo no receptáculo do telefone e cortou as ligações. Temendo assalto, a velha senhora empalideceu e perguntou o que queriam, afinal. “Acabou, vovó. Vai prá casa, que cê tá aposentada.”, riu o oficial. “Vamos lacrar a empresa. Faliu.” Explicou o recém-formado preposto do síndico, um pouco constrangido com a desnecessária rudeza do oficial.

“É o caso da Set Factoring, não é? Nós não devemos nada para eles! Pagamos juros por dois anos, e o Doutor Carlos está cuidando do caso, não nos avisou…”. O preposto, de novo: “Olha aqui, minha senhora, não posso discutir o caso. Vou fazer a arrecadação dos bens e lacrar o imóvel. Se resistir, tenho que chamar a polícia.”

“Posso ao menos ligar para o Doutor Carlos, ou para o meu patrão, que está em Sorocaba?”

“Pode, mas da rua. Não vamos esperar nada.”

“Está bem, está bem. Vou chamar os meninos, para pararem tudo e irem para casa.”

Avisou, por um velho intercomunicador que dava num alto-falante da fábrica, que o expediente estava encerrado. Dois ou três, dos vinte e poucos funcionários da fábrica, vieram à porta da sala da diretoria, ver o que tinha acontecido. A velha secretária explicou: “Nada. Esses homens vão fechar a fábrica, mas nossos advogados estão cuidando do caso. Voltem na segunda, que é o dia do vale.”

Os operários, que confiavam na secretária como em suas mães, foram, sem discussões, com olhares desconfiados para o rapaz engravatado e para o oficial de justiça, que trazia uma bolsa de nylon preto, com a alça atravessada no ombro.

“Posso ao menos pegar minhas coisas nas gavetas?” disse a velha secratária para as costas do oficial de justiça, que namorava um notebook deixado em cima da mesa da sala ao lado e, displicentemente, respondeu “Pode, mas vá logo. Não temos o dia todo.” Não viu, por isso, que a senhora juntava um pequeno 22 aos seus porta-retratos, mousepads, escovas de dentes.

segunda-feira, julho 11

Doctor Chesterton's Orthodoxy Pills.

Mysticism keeps men sane. As long as you have mistery, you have health; when you destroy mistery, you create mordibity.

terça-feira, julho 5

Justiça.

A noite, naquela cidade, era turva: caminhar pela Lavalle ou pela Florida, envolvidas numa garoa antiga, depois das dez dava a impressão de bebedeira – ou talvez você estivesse meio embriagado, mesmo. Nas esquinas, perto dos hotéis, esbarrava em mulheres de negro, que ofereciam, mudas, partes e movimentos dos seus corpos, cobertos por sobretudos puídos. Aprendizes de gigolôs distribuíam cartõezinhos de boates. Havia um cantor sem pernas e com dentes estragados, ainda tentando trocar os últimos acordes do seu violão por uma moeda qualquer. Os tangueros e as estátuas vivas já tinham entrado em algum bar, com os restos da maquiagem.

Foi cruzando a Tucumán, no intervalo entre dois táxis amarelos e negros, que você percebeu que não havia mais, no bolso interno do seu sobretudo negro, o bolo de dólares que acabara de receber pela sentença de condenação do traficante. Sentindo o bolso vazio, escorreu o sorriso torto que tinha vindo à sua boca quando viu a grana, pensando: “A primeira vez que sou pago para fazer o que faria, de qualquer jeito”.

Na hesitação entre voltar ao hotel onde estava o advogado e seguir adiante – porque você sabia que nunca mais veria aquele dinheiro – o segundo táxi colheu-o na altura dos joelhos. "Minhas rodillas!", pensou, em portunhol, antes de sentir sua cabeça bater contra o poste antigo, e ver espalhados pela calçada úmida os seus últimos pensamentos, com seu sangue, seus ossos e seus miolos.

Uma quadra atrás, sem ter testemunhado a tragédia, uma puta vestia um sorriso esquerdo, enquanto voltava para casa antes da hora de costume, sentindo, no bolso da calça justa, um gordo maço de dólares.

segunda-feira, julho 4

City Zen

Volutas de Humo
Salvador Angel Molinari (alias Tito)

Volutas de humo que flotan
Alrededor de mi cuerpo
Con que simpleza se desintegran
En cuanto las toca el viento
Conversar, conversar con vos quisiera
Decirte, decirte lo que yo siento...
¿Por qué siempre te necesito
Cuánto más solo me encuentro?
Éste, éste, tu encanto fatal
Es lo único que no entiendo
Sabiendo que, poco a poco
Mi vida estás consumiendo...
Cigarrillo forrado de blanco
El color de la pureza y,
¿Qué llevás en el alma? Lo negro...
¡Cuántos somos los que nos aferramos
A tus pitadas profundas y exhalamos de una vez!
(Mientras tragamos tu veneno...).
Apartarte, apartarte yo quisiera
Pero sé que no puedo
Porque en cada devenir de esta vida que padecemos
En mi propia cobardía más me aferro
A tu maldito veneno...
Te tomé como juguete de purrete
Y hoy, que sos parte mía
No sabés cuánto me arrepiento
Ya sin vos, ya sin vos no sé vivir
Porque sos mi companero
Ese amigo que busqué en la noche solitaria
Mientras contemplaba los cielos
Y que hablaba de mis sueños, mis tristezas y alegrías
Mientras vos, poco a poco
En mis dedos te consumías
Y así, así me quitaste el aliento
No me dejás respirar
Manchaste todos mis dedos
Y por dentro devoraste gran parte de mi cuerpo...
Pero, ¿qué te puedo reprochar?
Si fuiste mi compañero...
Y otra vez, otra vez te vuelvo a encender
Y mientras miro tus volutas de humo
Que envuelven todo mi cuerpo
Te tengo que decir, a mi pesar
Que seguís siendo mi mejor compañero...

(Na foto, link para a leitura do texto, extraída do City Zen, de Kevin Johansen).