terça-feira, julho 5

Justiça.

A noite, naquela cidade, era turva: caminhar pela Lavalle ou pela Florida, envolvidas numa garoa antiga, depois das dez dava a impressão de bebedeira – ou talvez você estivesse meio embriagado, mesmo. Nas esquinas, perto dos hotéis, esbarrava em mulheres de negro, que ofereciam, mudas, partes e movimentos dos seus corpos, cobertos por sobretudos puídos. Aprendizes de gigolôs distribuíam cartõezinhos de boates. Havia um cantor sem pernas e com dentes estragados, ainda tentando trocar os últimos acordes do seu violão por uma moeda qualquer. Os tangueros e as estátuas vivas já tinham entrado em algum bar, com os restos da maquiagem.

Foi cruzando a Tucumán, no intervalo entre dois táxis amarelos e negros, que você percebeu que não havia mais, no bolso interno do seu sobretudo negro, o bolo de dólares que acabara de receber pela sentença de condenação do traficante. Sentindo o bolso vazio, escorreu o sorriso torto que tinha vindo à sua boca quando viu a grana, pensando: “A primeira vez que sou pago para fazer o que faria, de qualquer jeito”.

Na hesitação entre voltar ao hotel onde estava o advogado e seguir adiante – porque você sabia que nunca mais veria aquele dinheiro – o segundo táxi colheu-o na altura dos joelhos. "Minhas rodillas!", pensou, em portunhol, antes de sentir sua cabeça bater contra o poste antigo, e ver espalhados pela calçada úmida os seus últimos pensamentos, com seu sangue, seus ossos e seus miolos.

Uma quadra atrás, sem ter testemunhado a tragédia, uma puta vestia um sorriso esquerdo, enquanto voltava para casa antes da hora de costume, sentindo, no bolso da calça justa, um gordo maço de dólares.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

espetacular esse conto. nem falo mais nada.

5.7.05  

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