segunda-feira, abril 3

Patriarca

Por puro nepotismo - meu irmão é dono do jornal - publico mensalmente uma coluninha num periódico do litoral paulista. Este é o texto que vai ser publicado nos próximos dias (o jornal é periódico, ma non troppo). O tom é diferente deste bloguinho, mas esta semana não vou conseguir escrever mais nada para postar aqui. Por isso, serve de tapa buraco, e para que não pareça que abandonei tudo e fui morar na Nova Zelândia.

Passo, quase todo dia, pela Praça do Patriarca. A estátua dele, que já foi central, está agora tímida, deslocada numa lateral próxima à Líbero Badaró, que divide com estátuas vivas de anjos andróginos. A única potencial vantagem de sua posição de agora é estar de frente para as Lojas Marisa, onde pode observar, o dia inteiro, as moças que vão comprar calcinhas e sutiãs.

Mas cada vez que passo lá lembro-me de um trecho do seu “Pensamento Vivo” (que é uma espécie de best of, feita nos anos 40), no Dicionário de Citações do Paulo Rónai: “Os brasileiros são entusiastas do belo ideal, amigos da sua liberdade, e mal sofrem perder as regalias que uma vez adquiriram. Obedientes ao justo, inimigos do arbitrário, suportam melhor o roubo que o vilipêndio; ignorantes por falta de instrução, mas cheios de talento por natureza; de imaginação brilhante e por isso amigos de novidades que prometem perfeição e enobrecimento; generosos, mas com bazófia; capazes de grandes ações, contanto que não exijam atenção aturada e não requeiram trabalho assíduo e monotônico; apaixonados do sexo por clima, vida e educação. Empreendem muito, acabam pouco. Serão os atenienses da América, se não forem comprimidos e desanimados pelo despotismo”.

A cada dia, as notícias políticas confirmam boa parte desse diagnóstico.

Na última semana, vimos a dança da impunidade, naquele grande salão de baile brasiliense. Vimos o caseiro, que denunciou o ministro. Vimos depósitos na conta bancária do caseiro. Vimos o ministro finalmente largar o osso. Mas o que esperavam de um ministro que foi eleito prefeito de uma cidade, prometendo, por escritura passada em cartório, que não largaria a prefeitura, e largou?

E passa este escândalo, e passa esta CPI, e continuamos achando isto aqui uma beleza; continuamos sofrendo cada vez que nos tiram um “direito adquirido”; continuamos dando pouca importância para os roubos; continuamos ignorantes, desatentos e preguiçosos; continuamos apaixonados por sexo e continuamos tentando muito e realizando nada.

O Patriarca, agora empedernido no seu pedestal (e decerto procurando, de lá de cima, aculturado, uma brechinha nos provadores da Marisa) deve arrepender-se só da frase final: mesmo sem opressão despótica, não viramos os atenienses da América – faltou-nos, para que chegássemos lá, um pouco da alma espartana.

3 Comentários:

Blogger Marcos Matamoros disse...

Mauro,
Acho que nem com alma espartana nós chegaríamos lá. Nós devemos assumir nosso destino e declarar, em alto e bom som: Somos tuedos paraguaios
Um abraço,
Marcos

4.4.06  
Anonymous Anônimo disse...

mauro,

não gosto do modo como o Patriarca nos definiu, não gosto da confirmação desta definição, não gosto de pensar que não tem jeito. Mas gosto, tremendamente, de ler vc. beijos

5.4.06  
Blogger mauro disse...

Olá, Marcôs. Sim, e isso explica nossa paixão pela Perla. Ei, Claudiá, o Boni era gente fina. No wonder acabou na Globo...

7.4.06  

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