O Fim da Viagem.
No aeroporto de Madrid-Barajas, tentei prolongar a sensação de ser estrangeiro evitando ficar junto ao portão de embarque, onde já tinha ouvido dois gays demarcarem, com alegres gritinhos, as emoções de um PlayStation Portable, cujos efeitos sonoros absorviam de um romântico fone duplo. Afastei-me o mais possível dali, enquanto o resto da minha entourage desmoronava-se nas confortáveis cadeiras da espera.
Aquele aeroporto, aliás, me fez sentir um estrangeiro no espaço e no tempo: talvez seja o mais longe que alguém pode chegar do Brasil de hoje. O lugar é enorme; trens silenciosos conduzem os viajantes atônitos para os portões de embarque, e a placas adivinham os minutos que faltam para você alcançar o seu portão. Os vôos não são anunciados nos alto-falantes, mas em largas telas de cristal líquido. É uma obra de engenharia e arquitetura finalmente típica do terceiro milênio. Vai das curvas orgânicas de Gaudí à assepsia metálica de Gehry. E, o que é melhor, sem passar pelo Niemayer.
Mas estava ali só em escala e, voltava determinado a não achar tudo uma porcaria; disposto a, na comparação com a Itália, não achar tudo tão irremediavelmente ruim. A música popular italiana, por exemplo, parou nos anos 80 e não conseguiu, até hoje, se livrar do sintetizador. Claro, a de cá não é melhor – mas, ao menos, não é tão pior. A organização das coisas, idem: lá, como aqui, tudo se arranja na conversa (às vezes aos berros), apesar da incrível quantidade de leis. Essa era a atitude mental que eu tentava me impor: aqui não é tão ruim, as coisas em outros lugares não são muito melhores e, caramba, aqui você tem toda a sua vida. Você nasceu aqui, goste ou não!
Mas essa bobagem não resistiu ao cara legal e de tiara que, depois de todos sentados e acomodados no avião, exibia sua enorme boa-vontade em trocar de lugar para que um casal de idosos pudesse sentar lado-a-lado : “para mim, tudo é alegria. Vamos para o Brasil, ê! Tem coisa melhor?” Sorrisos, sorrisos. Só faltaram palmas e u-hus.
O tipo é comum – magro, meio narigudo, moreno e com olhos grandalhões no rosto mal-barbeado. Exibe, além da tiarinha discreta, uma camiseta engraçadinha – no caso, uma camiseta preta, com “PUM” em lugar de “PUMA”, e uma vaca, fazendo as vezes do felino, no logotipo famoso. Sentou-se, enfim, e fez algum comentário em semi-francês para o vizinho da poltrona, que respondeu em português: era brasileiro, há-há.
A minha trupe – eu inclusive – conseguiu dormir o vôo todo, de sorte que só avistei o cara legal depois do desembarque, quando ele, retirando a sacola da esteira (esse tipo, por alguma espécie de corporativismo, não usa malas) declarou à moça ao seu lado – e ao resto dos infelizes circundantes, com saudável e catabólica honestidade: “ainda bem que veio logo. Estava louco para ir ao banheiro. Tchau-tchau”. Pela cara e pela pressa, era número dois.
Aquele aeroporto, aliás, me fez sentir um estrangeiro no espaço e no tempo: talvez seja o mais longe que alguém pode chegar do Brasil de hoje. O lugar é enorme; trens silenciosos conduzem os viajantes atônitos para os portões de embarque, e a placas adivinham os minutos que faltam para você alcançar o seu portão. Os vôos não são anunciados nos alto-falantes, mas em largas telas de cristal líquido. É uma obra de engenharia e arquitetura finalmente típica do terceiro milênio. Vai das curvas orgânicas de Gaudí à assepsia metálica de Gehry. E, o que é melhor, sem passar pelo Niemayer.
Mas estava ali só em escala e, voltava determinado a não achar tudo uma porcaria; disposto a, na comparação com a Itália, não achar tudo tão irremediavelmente ruim. A música popular italiana, por exemplo, parou nos anos 80 e não conseguiu, até hoje, se livrar do sintetizador. Claro, a de cá não é melhor – mas, ao menos, não é tão pior. A organização das coisas, idem: lá, como aqui, tudo se arranja na conversa (às vezes aos berros), apesar da incrível quantidade de leis. Essa era a atitude mental que eu tentava me impor: aqui não é tão ruim, as coisas em outros lugares não são muito melhores e, caramba, aqui você tem toda a sua vida. Você nasceu aqui, goste ou não!
Mas essa bobagem não resistiu ao cara legal e de tiara que, depois de todos sentados e acomodados no avião, exibia sua enorme boa-vontade em trocar de lugar para que um casal de idosos pudesse sentar lado-a-lado : “para mim, tudo é alegria. Vamos para o Brasil, ê! Tem coisa melhor?” Sorrisos, sorrisos. Só faltaram palmas e u-hus.
O tipo é comum – magro, meio narigudo, moreno e com olhos grandalhões no rosto mal-barbeado. Exibe, além da tiarinha discreta, uma camiseta engraçadinha – no caso, uma camiseta preta, com “PUM” em lugar de “PUMA”, e uma vaca, fazendo as vezes do felino, no logotipo famoso. Sentou-se, enfim, e fez algum comentário em semi-francês para o vizinho da poltrona, que respondeu em português: era brasileiro, há-há.
A minha trupe – eu inclusive – conseguiu dormir o vôo todo, de sorte que só avistei o cara legal depois do desembarque, quando ele, retirando a sacola da esteira (esse tipo, por alguma espécie de corporativismo, não usa malas) declarou à moça ao seu lado – e ao resto dos infelizes circundantes, com saudável e catabólica honestidade: “ainda bem que veio logo. Estava louco para ir ao banheiro. Tchau-tchau”. Pela cara e pela pressa, era número dois.
Por maior que seja a boa-vontade, não há otimismo que resista ao desânimo de viver no mesmo lugar que caras legais, como esse. Por isso, mais tarde, no táxi, quando abri o jornal e dei de cara com um ônibus incendiado na Aspicuelta, já estava curado, e dei de ombros.