terça-feira, abril 12

Homenagem a trois. Ou a Quatre.

Guinevère. Um metro e setenta e um, cinqüenta e três quilos, vinte e seis anos. Cabelos estilizados em cabeleireiro homem (gays, nessa área, estão ficando demodês), loiros escuros (ou castanhos claros, dependia da luz), lisíssimos, até a metade das costas que, apesar dos dezenove graus da noite paulistana, estavam nuas no vestido preto, de decote comportado que abraçava seios tipo Saint-Tropez. Ele se inclinava levemente, apoiando o antebraço esquerdo no beiral da sacada, para admirar a vista noturna que tinha no décimo-sexto andar de um prédio em Moema. Na mão direita, uma taça de Pinot Noir. Bourgogne, claro.

Enquanto exibia, para ninguém, imagens de telas da galeria dos Uffizi, o aparelho de DVD high-end tocava os Cantos de Hoffmann, de Offenbach. Guinevère pensava em Alexandre, e em como satisfazê-lo. Tinha uma alegria pueril, quando o via sorrir com uma tirada inteligente, ou com uma citação apropriada.

Há poucos minutos, tinha terminado Suave é a Noite, e se encantara, sobretudo, com a tradução do título – apesar de seus três anos em Cambridge, certamente teria traduzido tender como terna; jamais pensaria em suave, mesmo depois de ler o livro que, afofado pelo folhear da leitura, descansava na mesa de centro. Ela gostara muito mais deste do que do Grande Gatsby – como, aliás, Alexandre previra. Ela, impossível não admitir, só existia em função dele.

No exato instante em que começava a Barcarolle, Maria, vinda da cozinha, entrou na sala, lançando sombra sobre a sacada. Guinevère virou-se e, apontando o livro sobre a mesinha, perguntou: “Já leu este?”. Era mais um desafio, que uma pergunta. Chegar aos bons livros antes era uma questão de vida ou morte.

Maria, que trazia uma garrafa de Prosecco e uma taça esfriada, olhou por sobre os óculos (eram para perto) e, não sem certo desdém, sentou-se à frente da tela e respondeu: “Acho meio phony a descrição que ele faz da vida na Riviera.” E, servindo-se do Prosecco, disparou: “Escuta, será que eu posso trocar essa meleira do Offenbach por alguma coisa mais sólida? Tipo Puccini - ou Debussy, pelo menos?”

Era dois anos mais velha que Guinevère, e a conhecera pela internet – César, em função de quem existia, a apresentara a ela, por meio do Alexandre. Apesar do tailleur marinho, e da saia (justa, mas abaixo dos joelhos), podiam-se adivinhar suas curvas. Estudava duas horas por dia, como determinou Sertilllanges, na Vida Intelectual, que lera por recomendação de César. O livro mudou sua vida. Agora, tinha os quatro volumes do Ferrater Mora e estudava um tópico por vez: lia-os no Ferrater, depois ia às fontes – Aristóteles, Aquino e Agostinho, sobretudo. Só César era capaz de compreendê-la.

Guinevère virou-se e, enquanto voltava à sacada, fez hmmm, sem mais nada responder. Outro hábito que adquirira de Alexandre.

“Posso ou não posso?” insistiu Maria, já sentindo o calor do sangue chegar-lhe às orelhas.

Beatriz, a mais nova, saindo do lavabo ainda com o barulho da descarga atrás de si, interrompeu o diálogo, sem querer. Disse: “Bêbadas.” Suas palavras eram sempre assim: concentradas. Plúmbeas. Diretas. Completas. Das três, era a que mais falava. E a que menos palavras proferia.

Súbito, sem mais nada dizer, engalfinharam-se. O chão da sala, agora, parecia coberto de um gelatina transparente, e a luta corporal entre as três reduziu seus trajes a maiôs. Pareciam integrantes do Los Angeles.

Quando estavam exaustas da pancadaria, e os sopapos começavam a parecer carinhos, o despertador tocou e Ruy acordou, praguejando.

5 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

tsc tsc tsc... homens...
diga-me lá rui, qual das três vc escolheria se tivesse que escolher apenas uma.

12.4.05  
Anonymous Anônimo disse...

O que me lembra que já sonhei com uma mulher que era a cara da namorada do Isnard.

20.4.05  
Anonymous Anônimo disse...

Pô, sai como Anonymous.

DGR

20.4.05  
Blogger mauro disse...

DGR,

Obrigado, de novo, pelo clique.

20.4.05  
Blogger mauro disse...

DGR,

Obrigado, de novo, pelo clique.

20.4.05  

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