Homenagem a trois. Ou a Quatre.
Guinevère. Um metro e setenta e um, cinqüenta e três quilos, vinte e seis anos. Cabelos estilizados em cabeleireiro homem (gays, nessa área, estão ficando demodês), loiros escuros (ou castanhos claros, dependia da luz), lisíssimos, até a metade das costas que, apesar dos dezenove graus da noite paulistana, estavam nuas no vestido preto, de decote comportado que abraçava seios tipo Saint-Tropez. Ele se inclinava levemente, apoiando o antebraço esquerdo no beiral da sacada, para admirar a vista noturna que tinha no décimo-sexto andar de um prédio em Moema. Na mão direita, uma taça de Pinot Noir. Bourgogne, claro.
Enquanto exibia, para ninguém, imagens de telas da galeria dos Uffizi, o aparelho de DVD high-end tocava os Cantos de Hoffmann, de Offenbach. Guinevère pensava em Alexandre, e em como satisfazê-lo. Tinha uma alegria pueril, quando o via sorrir com uma tirada inteligente, ou com uma citação apropriada.
Há poucos minutos, tinha terminado Suave é a Noite, e se encantara, sobretudo, com a tradução do título – apesar de seus três anos em Cambridge, certamente teria traduzido tender como terna; jamais pensaria em suave, mesmo depois de ler o livro que, afofado pelo folhear da leitura, descansava na mesa de centro. Ela gostara muito mais deste do que do Grande Gatsby – como, aliás, Alexandre previra. Ela, impossível não admitir, só existia em função dele.
No exato instante em que começava a Barcarolle, Maria, vinda da cozinha, entrou na sala, lançando sombra sobre a sacada. Guinevère virou-se e, apontando o livro sobre a mesinha, perguntou: “Já leu este?”. Era mais um desafio, que uma pergunta. Chegar aos bons livros antes era uma questão de vida ou morte.
Maria, que trazia uma garrafa de Prosecco e uma taça esfriada, olhou por sobre os óculos (eram para perto) e, não sem certo desdém, sentou-se à frente da tela e respondeu: “Acho meio phony a descrição que ele faz da vida na Riviera.” E, servindo-se do Prosecco, disparou: “Escuta, será que eu posso trocar essa meleira do Offenbach por alguma coisa mais sólida? Tipo Puccini - ou Debussy, pelo menos?”
Era dois anos mais velha que Guinevère, e a conhecera pela internet – César, em função de quem existia, a apresentara a ela, por meio do Alexandre. Apesar do tailleur marinho, e da saia (justa, mas abaixo dos joelhos), podiam-se adivinhar suas curvas. Estudava duas horas por dia, como determinou Sertilllanges, na Vida Intelectual, que lera por recomendação de César. O livro mudou sua vida. Agora, tinha os quatro volumes do Ferrater Mora e estudava um tópico por vez: lia-os no Ferrater, depois ia às fontes – Aristóteles, Aquino e Agostinho, sobretudo. Só César era capaz de compreendê-la.
Guinevère virou-se e, enquanto voltava à sacada, fez hmmm, sem mais nada responder. Outro hábito que adquirira de Alexandre.
“Posso ou não posso?” insistiu Maria, já sentindo o calor do sangue chegar-lhe às orelhas.
Beatriz, a mais nova, saindo do lavabo ainda com o barulho da descarga atrás de si, interrompeu o diálogo, sem querer. Disse: “Bêbadas.” Suas palavras eram sempre assim: concentradas. Plúmbeas. Diretas. Completas. Das três, era a que mais falava. E a que menos palavras proferia.
Súbito, sem mais nada dizer, engalfinharam-se. O chão da sala, agora, parecia coberto de um gelatina transparente, e a luta corporal entre as três reduziu seus trajes a maiôs. Pareciam integrantes do Los Angeles.
Enquanto exibia, para ninguém, imagens de telas da galeria dos Uffizi, o aparelho de DVD high-end tocava os Cantos de Hoffmann, de Offenbach. Guinevère pensava em Alexandre, e em como satisfazê-lo. Tinha uma alegria pueril, quando o via sorrir com uma tirada inteligente, ou com uma citação apropriada.
Há poucos minutos, tinha terminado Suave é a Noite, e se encantara, sobretudo, com a tradução do título – apesar de seus três anos em Cambridge, certamente teria traduzido tender como terna; jamais pensaria em suave, mesmo depois de ler o livro que, afofado pelo folhear da leitura, descansava na mesa de centro. Ela gostara muito mais deste do que do Grande Gatsby – como, aliás, Alexandre previra. Ela, impossível não admitir, só existia em função dele.
No exato instante em que começava a Barcarolle, Maria, vinda da cozinha, entrou na sala, lançando sombra sobre a sacada. Guinevère virou-se e, apontando o livro sobre a mesinha, perguntou: “Já leu este?”. Era mais um desafio, que uma pergunta. Chegar aos bons livros antes era uma questão de vida ou morte.
Maria, que trazia uma garrafa de Prosecco e uma taça esfriada, olhou por sobre os óculos (eram para perto) e, não sem certo desdém, sentou-se à frente da tela e respondeu: “Acho meio phony a descrição que ele faz da vida na Riviera.” E, servindo-se do Prosecco, disparou: “Escuta, será que eu posso trocar essa meleira do Offenbach por alguma coisa mais sólida? Tipo Puccini - ou Debussy, pelo menos?”
Era dois anos mais velha que Guinevère, e a conhecera pela internet – César, em função de quem existia, a apresentara a ela, por meio do Alexandre. Apesar do tailleur marinho, e da saia (justa, mas abaixo dos joelhos), podiam-se adivinhar suas curvas. Estudava duas horas por dia, como determinou Sertilllanges, na Vida Intelectual, que lera por recomendação de César. O livro mudou sua vida. Agora, tinha os quatro volumes do Ferrater Mora e estudava um tópico por vez: lia-os no Ferrater, depois ia às fontes – Aristóteles, Aquino e Agostinho, sobretudo. Só César era capaz de compreendê-la.
Guinevère virou-se e, enquanto voltava à sacada, fez hmmm, sem mais nada responder. Outro hábito que adquirira de Alexandre.
“Posso ou não posso?” insistiu Maria, já sentindo o calor do sangue chegar-lhe às orelhas.
Beatriz, a mais nova, saindo do lavabo ainda com o barulho da descarga atrás de si, interrompeu o diálogo, sem querer. Disse: “Bêbadas.” Suas palavras eram sempre assim: concentradas. Plúmbeas. Diretas. Completas. Das três, era a que mais falava. E a que menos palavras proferia.
Súbito, sem mais nada dizer, engalfinharam-se. O chão da sala, agora, parecia coberto de um gelatina transparente, e a luta corporal entre as três reduziu seus trajes a maiôs. Pareciam integrantes do Los Angeles.
Quando estavam exaustas da pancadaria, e os sopapos começavam a parecer carinhos, o despertador tocou e Ruy acordou, praguejando.
5 Comentários:
tsc tsc tsc... homens...
diga-me lá rui, qual das três vc escolheria se tivesse que escolher apenas uma.
O que me lembra que já sonhei com uma mulher que era a cara da namorada do Isnard.
Pô, sai como Anonymous.
DGR
DGR,
Obrigado, de novo, pelo clique.
DGR,
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